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26.10.11

147 empresas controlam o núcleo da economia global


  

Matemáticos revelam rede capitalista 
que domina o mundo


Este gráfico mostra as interconexões entre o grupo de 1.318 empresas transnacionais que formam o núcleo da economia mundial. O tamanho de cada ponto representa o tamanho da receita de cada uma.

A reportagem é da revista New Scientist, 22-10-2011 e reproduzida pelo sítio Inovação Tecnológica.

Além das ideologias

Conforme os protestos contra o capitalismo se espalham pelo mundo, os manifestantes vão ganhando novos argumentos.

Uma análise das relações entre 43.000 empresas transnacionais concluiu que um pequeno número delas - sobretudo bancos - tem um poder desproporcionalmente elevado sobre a economia global.

A conclusão é de três pesquisadores da área de sistemas complexos do Instituto Federal de Tecnologia de Lausanne, na Suíça.

Este é o primeiro estudo que vai além das ideologias e identifica empiricamente essa rede de poder global.

"A realidade é complexa demais, nós temos que ir além dos dogmas, sejam eles das teorias da conspiração ou do livre mercado," afirmou James Glattfelder, um dos autores do trabalho. "Nossa análise é baseada na realidade."

Rede de controle econômico mundial

A análise usa a mesma matemática empregada há décadas para criar modelos dos sistemas naturais e para a construção de simuladores dos mais diversos tipos. Agora ela foi usada para estudar dados corporativos disponíveis mundialmente.

O resultado é um mapa que traça a rede de controle entre as grandes empresas transnacionais em nível global.

Estudos anteriores já haviam identificado que algumas poucas empresas controlam grandes porções da economia, mas esses estudos incluíam um número limitado de empresas e não levavam em conta os controles indiretos de propriedade, não podendo, portanto, ser usados para dizer como a rede de controle econômico poderia afetar a economia mundial - tornando-a mais ou menos instável, por exemplo.

O novo estudo pode falar sobre isso com a autoridade de quem analisou uma base de dados com 37 milhões de empresas e investidores.

A análise identificou 43.060 grandes empresas transnacionais e traçou as conexões de controle acionário entre elas, construindo um modelo de poder econômico em escala mundial.

Poder econômico mundial

Refinando ainda mais os dados, o modelo final revelou um núcleo central de 1.318 grandes empresas com laços com duas ou mais outras empresas - na média, cada uma delas tem 20 conexões com outras empresas.

Mais do que isso, embora este núcleo central de poder econômico concentre apenas 20% das receitas globais de venda, as 1.318 empresas em conjunto detêm a maioria das ações das principais empresas do mundo - as chamadas blue chips nos mercados de ações.

Em outras palavras, elas detêm um controle sobre a economia real que atinge 60% de todas as vendas realizadas no mundo todo.

E isso não é tudo.

Super-entidade econômica


Quando os cientistas desfizeram o emaranhado dessa rede de propriedades cruzadas, eles identificaram uma "super-entidade" de 147 empresas intimamente inter-relacionadas que controla 40% da riqueza total daquele primeiro núcleo central de 1.318 empresas.

"Na verdade, menos de 1% das companhias controla 40% da rede inteira," diz Glattfelder.

E a maioria delas são bancos.

Os pesquisadores afirmam em seu estudo que a concentração de poder em si não é boa e nem ruim, mas essa interconexão pode ser.

Como o mundo viu durante a crise de 2008, essas redes são muito instáveis: basta que um dos nós tenha um problema sério para que o problema se propague automaticamente por toda a rede, levando consigo a economia mundial como um todo.

Eles ponderam, contudo, que essa super-entidade pode não ser o resultado de uma conspiração - 147 empresas seria um número grande demais para sustentar um conluio qualquer.

A questão real, colocam eles, é saber se esse núcleo global de poder econômico pode exercer um poder político centralizado intencionalmente.

Eles suspeitam que as empresas podem até competir entre si no mercado, mas agem em conjunto no interesse comum - e um dos maiores interesses seria resistir a mudanças na própria rede.

As 50 primeiras das 147 empresas transnacionais super conectadas

    Barclays plc
    Capital Group Companies Inc
    FMR Corporation
    AXA
    State Street Corporation
    JP Morgan Chase & Co
    Legal & General Group plc
    Vanguard Group Inc
    UBS AG
    Merrill Lynch & Co Inc
    Wellington Management Co LLP
    Deutsche Bank AG
    Franklin Resources Inc
    Credit Suisse Group
    Walton Enterprises LLC
    Bank of New York Mellon Corp
    Natixis
    Goldman Sachs Group Inc
    T Rowe Price Group Inc
    Legg Mason Inc
    Morgan Stanley
    Mitsubishi UFJ Financial Group Inc
    Northern Trust Corporation
    Société Générale
    Bank of America Corporation
    Lloyds TSB Group plc
    Invesco plc
    Allianz SE 29. TIAA
    Old Mutual Public Limited Company
    Aviva plc
    Schroders plc
    Dodge & Cox
    Lehman Brothers Holdings Inc*
    Sun Life Financial Inc
    Standard Life plc
    CNCE
    Nomura Holdings Inc
    The Depository Trust Company
    Massachusetts Mutual Life Insurance
    ING Groep NV
    Brandes Investment Partners LP
    Unicredito Italiano SPA
    Deposit Insurance Corporation of Japan
    Vereniging Aegon
    BNP Paribas
    Affiliated Managers Group Inc
    Resona Holdings Inc
    Capital Group International Inc
    China Petrochemical Group Company

Bibliografia:

The network of global corporate control
Stefania Vitali, James B. Glattfelder, Stefano Battiston
arXiv
19 Sep 2011



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25.10.11

Quando a Ética Sangra


Sobre a intervenção na OAB Pará:


Faço parte de uma geração vitoriosa, dela faz parte Jarbas Vasconcelos. Uma geração que foi protagonista na transformação do Brasil das Elites econômicas egressas da Ditadura, no Brasil que avança com soberania, tendo em perspectiva a distribuição de renda e a diminuição das desigualdades sociais. Mesmo não sendo na velocidade que gostaríamos e mesmo sem questionar a estrutura capitalista como desejamos, mudamos a história de subordinação que cumprimos historicamente e abrimos possibilidades inéditas que só dependem de nós mesmos enquanto sociedade.

Se optarmos pela radicalização da democracia rumo à Participação Popular no cotidiano do poder, se avançarmos no Controle Social sobre o Estado em todas as suas expressões, se assumirmos a condução das escolas e matrizes curriculares como povo livre e consciente e, se passarmos a construir a democracia em sua dimensão econômica, sem o que a democracia política não passa de mera formalidade, adotando uma Economia Solidária, certamente construiremos um país justo e próspero para todos e todas que estiverem dispostos a trabalhar por um futuro melhor.

Mas o que mais me orgulha é de, no contexto desta geração, ter participado de um grupo de jovens que se recusou a envelhecer suas idéias, dele faz parte Jarbas Vasconcelos. E me refiro exatamente aos que não ficaram ricos ou famosos a custa do erário público. Mas que conquistaram amplo reconhecimento pelos serviços prestados no resgate da democracia, do direitos dos trabalhadores e pela defesa da ética e da competência por onde estiveram.

Quando no início da década de 80 abraçamos a luta contra a Ditadura Militar pela redemocratização do Brasil, nosso pequeno mas sonhador, ousado e realizador grupo de jovens tinha uma rotina dura de estudos políticos e trabalho político-organizativo que formou em nós uma inteligência profundamente comprometida com a honestidade pessoal, mesmo sem ter plena consciência dos preços que teria que pagar por isso. Enfrentamos cavalarias e cavalos com a mesma coragem com que até hoje nos desapegamos das benesses que o próprio poder que conquistamos nos passou a oferecer. Não é pra qualquer um, há que se ter muita fibra.

Por isso somamos e derrotamos a Ditadura, mas a democracia nos guardava desafios maiores e algumas tristes surpresas. Vimos lideranças, estruturas e instituições políticas que ajudamos a criar derraparem na lama das facilidades imorais do poder e outros que aproveitaram a derrapagem para assumir mesmo outro curso, o do retrocesso da reprodução das relações coronelistas e assistencialistas travestidas em tendências ou flagrantemente reduzidas à personalidades, e seus mandatos, em um processo simbiótico em que o dominador apenas se reproduz porque encontra quem se acomode no ancestral papel de dominado.

Mesmo com tudo isso, conseguimos participar ativamente deste processo de renovação política por que passa a nação, mesmo contra a cultura política que, entre os transformadores advoga a justificativa de que “quem nunca comeu melado” pode, e até merece, se lambuzar. E continuamos trabalhando, formando e realizando no sentido de uma nação soberana que já percebeu sua necessidade de justiça social e econômica.

Agora, um destes companheiros, de rara conduta, Jarbas Vasconcelos, está sob fogo cerrado. Exatamente porque conseguiu se viabilizar como presidente da OAB Pará, inclusive impondo a adesão de seus adversários, esteios de interesses conservadores que hegemonizavam a entidade até aqui por toda sua história. E, porque pautou o combate aberto à corrupção defendendo a Lei do Ficha Limpa em praça pública.

Mas o que foi fatal, foi a ousadia de enfrentar o poder judiciário estadual em defesa das prerrogativas dos advogados. Fatal porque esta luta pode dar ao advogado comum as mesmas oportunidades dos grandes escritórios de famílias tradicionais ou apaniguados das elites mamelucas locais, como diria Darcy Ribeiro, e isto é uma “infâmia” – não exatamente moral, mas principalmente àquela que envolve interesses pecuniários.

Como permitir que um iconoclastazinho vindo do interior ameace a nobreza daqueles cuja competência jurídica está garantida apenas pelo sobrenome antigo com que foi batizado? Como permitir que um qualquer quebre o sacrossanto e medieval direito ao sucesso por hereditariedade. Se as elites soubessem o bem que fariam aos seus jovens se lhes permitisse conquistar seus espaços por seus próprios méritos, teriam uma postura mais moderna.

Me solidarizo à Jarbas Vasconcelos, por sua história, mas principalmente por seu presente, como cidadão, como ser humano – o que admite as imperfeições que cabe a todos nós – mas principalmente como advogado por convicção. E empenho neste apoio tudo o que sou, pouco, mas dura e consistentemente construído nestes meus 50 anos, em minha própria história de luta por um mundo justo, solidário e pela ética na política.

Que os justos não se calem, muita força ao Jarbas!

Recomendo a leitura da carta de Jarbas, abaixo:

Aos advogados, à sociedade,

"O CONSELHO FEDERAL DA OAB, maculando sua história, decretou inédita e vergonhosa intervenção punitiva na SECCIONAL DO PARÁ. Contra a Lei e o Direito prevaleceu o apetite político daqueles que me fazem oposição, para manter regalias e privilégios, e sem nenhum senso de freio moral.

NADA HÁ PARA CORRIGIR, SANEAR OU PREVENIR NA SECCIONAL DO PARÁ!

Pelo contrário: temos muito para celebrar.

Nem pode ser crível que os interventores da direção federal recebam como missão invalidar os atos de moralidade administrativa que implementei, em defesa do patrimônio da Seccional, que recebi falido. Sempre tive consciência dos riscos que corria. Afinal de contas, tirei dos meus adversários CARTÕES CORPORATIVOS, CARROS, FRANQUIAS TELEFÔNICAS E O USO INDEVIDO DE DINHEIRO DA SECCIONAL.

Quando assumi a ordem tive que dar conta de uma dívida de quase dois milhões de reais.
Tenho vida pessoal, familiar e profissional irrepreensíveis. Nada me envergonha, tudo me honra. Venci com livros e trabalho. Custa-me demandar contra a Instituição que orgulhosamente integro.

Contudo, diante da gravidade da hora e da covardia dos meus adversários, não devo abdicar dessa alternativa.

Confio na força da Justiça e no valor de suas Instituições democráticas, sob o manto do devido processo legal.

Creio piamente na VITÓRIA DO BEM sobre a iniquidade dos que semeiam mentiras, calúnias e infâmias.

Defenderei meu mandato e minha dignidade pessoal tão violentamente atingidos. O fisiologismo que tanto condenamos nos poderes da República não pode triunfar na OAB!

Até breve, muito breve, com as bênçãos do nosso Deus."

JARBAS VASCONCELOS, Advogado

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19.10.11

Uma visão de esquerda sobre o legado do governo Lula


Classe C e luta de classes

Do pesquisador e amigo Gustavo Venturi, publicado no boletim da Fundação Perseu Abramo

A obra mais importante do governo Lula resultou da combinação de crescimento econômico com políticas de distribuição de renda. Favorecida por um cenário global de aumento do preço dascommodities agrícolas e minerais exportadas pelo Brasil, a aposta no mercado interno – com o investimento nos programas sociais, Bolsa Família à frente, e com forte expansão de programas de crédito – permitiu o crescimento acentuado e a formalização do emprego. Esse desempenho garantiu a sustentabilidade e o dinamismo da economia, principais responsáveis pela travessia da crise financeira internacional de 2008 sem maiores turbulências internas e pela eleição da presidenta Dilma. Também justifica a importância do Brasil no atual cenário econômico e político global e a segurança relativa frente à nova crise sistêmica que gradualmente se confirma, com a quebra sucessiva de Estados-membros da União Europeia.

Internamente, esse cenário criou as bases materiais para o resgate de milhões de brasileiros. Entre 2003 e 2009, cerca de 20 milhões ascenderam da miséria para a pobreza e um contingente ainda maior, cerca de 29 milhões, superou o patamar da pobreza, somando-se à classe média estatística1, que agora constitui a maior parcela da população (50,5%, ou cerca de 95 milhões em 2009, hoje estimada em 100 milhões). Com renda familiar mensal entre R$ 1.100,00 e R$ 4.600,00 (equivalentes ao intervalo entre R$ 275,00 e R$ 1.150,00 de renda per capita, considerando-se a família brasileira típica, de quatro membros), trata-se de um segmento que está na faixa de renda intermediária, levando-se em conta a variância acentuada da distribuição da renda no país, ainda muito desigual.

Também designado como “nova classe média”, ou ainda “classe média popular”, é sintomático que, na maior parte das vezes em que esse segmento social é citado, a mídia corporativa e outros se refiram a ele como “classe C” – categoria de uma escala de estratificação socioeconômica, originada e de largo uso nas pesquisas de mercado, que dividem a população em cinco “classes”, de A a E, caracterizadas (não só, mas primordialmente) pela posse de bens de consumo duráveis nos domicílios. Tradicionalmente pouco usual na Sociologia, tal escala permite classificar toda a população em um continuum que tende a ocultar a noção de antagonismos, de interesses e direitos em conflito – suprimindo, no limite, a ideia de luta de classes. Em outras palavras, remete a uma concepção de cidadãos limitada à dimensão de consumidores.

Tal ênfase e valorização da ascensão dessa nova classe média, bem como a preocupação com sua manutenção em patamares básicos de acesso a bens materiais, ainda que politicamente importante para a conformação da base social e eleitoral de apoio ao governo e moralmente legítima (ao atender a anseios “naturais” da população, sob a hegemonia capitalista vigente), tem outras implicações políticas, para não mencionar as ambientais, que de resto transcendem a lógica econômica do crescimento.

Sustentada mais pela partilha de um bolo que tem crescido do que pela forma de dividi-lo (o que implicaria maior redução da desigualdade, até aqui ainda débil), tratando-se assim de um processo de produção e distribuição de renda que, frente à crise global (talvez mais cedo que tarde), a nova classe média tende a encontrar seus limites. Ao mesmo tempo, a inclusão no mercado por si só não garante o aumento da organização e do associativismo nesse segmento nem o desenvolvimento de uma consciência de classe (talvez se oponha a ambos, reforçando uma ideologia individualista). Assim, o fato de que o debate sobre a continuidade do modelo em curso tenha como eixo a preocupação com a criação de consumidores, mais que com a emergência de cidadãos ativos, constitui um problema que merece reflexão.

Caberia ao PT, como ator político relevante e distinto do governo – ou seja, sem as amarras do dia a dia a que este está preso por força das lógicas de preservação da estabilidade econômica e da governabilidade política –, voltar-se primordialmente para a formulação estratégica da mobilização e organização sociais que permita dar sustentação à defesa e ao aprofundamento das conquistas em curso. Algumas decisões da reforma estatutária aprovada no 4º Congresso do partido – apontando para uma oxigenação da burocracia partidária, ao se abrir para novos olhares com a adoção de cotas para mulheres (50%), jovens (20%) e étnico-raciais (20%) em todas as instâncias de direção – expressam a maturidade do PT para tal empreitada. Aos 31 anos de existência e há nove no governo federal, é importante não se deixar inebriar pelas altas taxas de preferência partidária aferidas em pesquisas recentes (cerca de um terço do eleitorado) – fruto mais provável da combinação da popularidade do governo Dilma e da força atrativa da identidade do partido no poder do que resultado de um crescimento da cultura partidária ou de avanços organizativos da sociedade civil.

Qual é o saldo associativo autônomo das centenas de conferências impulsionadas no governo Lula e que têm tido continuidade no governo Dilma? O que mudou, se algo, nos valores e na visão de mundo e o que esperam politicamente as vastas camadas que se beneficiaram da mobilidade social acentuada na última década? Como estão vendo a política e qual é o lugar que ocupam ou a que aspiram as juventudes, protagonistas de novas sociabilidades? Essas são, entre outras, questões de uma nova agenda da opinião pública que urge investigar e debater. Afinal, certamente não foi para realizar o sonho liberal da inclusão (ainda que de todos) no mercado de consumo – e de quebra, através de um modelo socioambiental insustentável, como hoje vai se evidenciando – que o PT foi criado. Ao menos não é esse um horizonte socialista.

Gustavo Venturi é doutor em Ciência Política e professor do Departamento de Sociologia da FFLCH-USP (gventuri@usp.br)
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14.10.11

15 de outubro, Dia dos Professores e Professoras


Carta de Paulo Freire aos professores (trechos)


Ensinar, aprender:
leitura do mundo, leitura da palavra



Nenhum tema mais adequado para constituir-se em objeto desta primeira
carta a quem ousa ensinar do que a significação crítica desse ato, assim
como a significação igualmente crítica de aprender. É que não existe ensinar sem aprender e com isto eu quero dizer mais do que diria se dissesse que o
ato de ensinar exige a existência de quem ensina e de quem aprende. Quero dizer que ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende,
de um lado, porque reconhece um conhecimento antes aprendido e, de outro,
porque, observado a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha
para apreender o ensinando-se, sem o que não o aprende, o ensinante se ajuda a
descobrir incertezas, acertos, equívocos.
O aprendizado do ensinante ao ensinar não se dá necessariamente através
da retificação que o aprendiz lhe faça de erros cometidos. O aprendizado do
ensinante ao ensinar se verifica à medida em que o ensinante, humilde, aberto,
se ache permanentemente disponível a repensar o pensado, rever-se em suas
posições; em que procura envolver-se com a curiosidade dos alunos e dos diferentes caminhos e veredas, que ela os faz percorrer. Alguns desses caminhos e
algumas dessas veredas, que a curiosidade às vezes quase virgem dos alunos
percorre, estão grávidas de sugestões, de perguntas que não foram percebidas
antes pelo ensinante. Mas agora, ao ensinar, não como um burocrata da mente,
mas reconstruindo os caminhos de sua curiosidade – razão por que seu corpo
consciente, sensível, emocionado, se abre às adivinhações dos alunos, à sua ingenuidade e à sua criatividade – o ensinante que assim atua tem, no seu ensinar, um
momento rico de seu aprender. O ensinante aprende primeiro a ensinar mas aprende
a ensinar ao ensinar algo que é reaprendido por estar sendo ensinado.
O fato, porém, de que ensinar ensina o ensinante a ensinar um certo
conteúdo não deve significar, de modo algum, que o ensinante se aventure a
ensinar sem competência para fazê-lo. Não o autoriza a ensinar o que não sabe.
A responsabilidade ética, política e profissional do ensinante lhe coloca o dever
de se preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade
docente.
...
Assim, em nível de uma posição crítica, a que não dicotomiza o saber do
senso comum do outro saber, mais sistemático, de maior exatidão, mas busca
uma síntese dos contrários, o ato de estudar implica sempre o de ler, mesmo que
neste não se esgote. De ler o mundo, de ler a palavra e assim ler a leitura do
mundo anteriormente feita. Mas ler não é puro entretenimento nem tampouco
um exercício de memorização mecânica de certos trechos do texto.
...
Ler é uma operação inteligente, difícil, exigente, mas gratificante. Ninguém
lê ou estuda autenticamente se não assume, diante do texto ou do objeto da
curiosidade a forma crítica de ser ou de estar sendo sujeito da curiosidade, sujeito
da leitura, sujeito do processo de conhecer em que se acha. Ler é procurar buscar
criar a compreensão do lido; daí, entre outros pontos fundamentais, a importância
do ensino correto da leitura e da escrita. É que ensinar a ler é engajar-se numa
experiência criativa em torno da compreensão. Da compreensão e da comunicação.
E a experiência da  compreensão  será tão mais profunda quanto sejamos
nela capazes de associar, jamais dicotomizar, os conceitos emergentes da experiência escolar aos que resultam do mundo da cotidianidade.
...
Estudar é desocultar, é ganhar a compreensão mais exata do objeto, é perceber suas relações com outros objetos. Implica que o estudioso, sujeito do estudo, se arrisque, se aventure, sem o que não cria nem recria.
Por isso também é que  ensinar não pode ser um puro processo, como
tanto tenho dito, de transferência de conhecimento do ensinante ao aprendiz.
Transferência mecânica de que resulte a memorização maquinal que já critiquei.
Ao estudo crítico corresponde um ensino igualmente crítico que demanda
necessariamente uma forma crítica de compreender e de realizar a leitura da palavra e a leitura do mundo, leitura do contexto.
...
Enquanto leitores, não temos o direito de esperar, muito menos de exigir,
que os escritores façam sua tarefa, a de escrever, e quase a nossa, a de compreender
o escrito, explicando a cada passo, no texto ou numa nota ao pé da página, o
que quiseram dizer com isto ou aquilo. Seu dever, como escritores, é escrever
simples, escrever leve, é facilitar e não dificultar a compreensão do leitor, mas
não dar a ele as coisas feitas e prontas.
A compreensão do que se está lendo, estudando, não estala assim, de
repente, como se fosse um milagre. A compreensão é trabalhada, é forjada, por
quem lê, por quem estuda que, sendo sujeito dela, se deve instrumentar para
melhor fazê-la. Por isso mesmo, ler, estudar, é um trabalho paciente, desafiador,
persistente.
...
É preciso que nosso corpo, que socialmente vai se tornando atuante,
consciente, falante, leitor e “escritor” se aproprie criticamente de sua forma de
vir sendo que faz parte de sua natureza, histórica e socialmente constituindo-se.
Quer dizer, é necessário que não apenas nos demos conta de como estamos
sendo mas nos assumamos plenamente com estes “seres programados, mas para
aprender”, de que nos fala François Jacob (4). É necessário, então, que aprendamos a aprender...
Recusando qualquer interpretação mecanicista da História, recuso igualmente a idealista. A primeira reduz a consciência à pura cópia das estruturas materiais da sociedade; a segunda submete tudo ao todo poderosismo da consciência.
Minha posição é outra. Entendo que estas relações entre consciência e mundo
são dialéticas ...
A leitura crítica dos textos e do mundo tem que ver com a sua mudança
em processo.
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11.10.11

Sobre nossa cultura política


A Travessia de Marina

Marina Silva, independente de qualquer filiação partidária ou qualquer interesse político imediato, a partir do que possamos julgá-la, é uma figura que tem engrandecido enormemente as possibilidades da própria política no Brasil. Tanto do ponto de vista programático quanto ético.
O princípio político de não se julgar precipitadamente quem quer que seja, no caso de Marina, é um imperativo sob pena de não se ter a capacidade de identificar o que é especial em nossa História, a com H maiúsculo.
Getúlio Vargas, JK e Lula, para ficar nos mais importantes ex-presidentes pós 30, também foram referências centrais de processos que promoveram importantes saltos históricos que impactaram a cultura política brasileira, para além da própria conjuntura em que atuou. Marina é uma possibilidade real, mas é a sociedade brasileira, com maior responsabilidades para as lideranças e formadores de opinião, que definirá com precisão seu papel histórico.
Getúlio deixou um legado histórico que introduziu definitivamente na cultura política nacional, o desejo e a capacidade de nos pensarmos como nação por inteiro, incluindo todas as regiões, inaugurando assim o anseio por soberania, na cidadania comum.
JK foi referência de um processo que acrescentou em nossa cultura política, o desejo e a capacidade de se pensar o Brasil para além das lógicas paroquiais.
Lula marcou definitivamente a adoção da pauta social em nossa cultura política, ao mesmo tempo em que recolocou o papel de protagonista entre a cidadania.
E Marina? Quais possibilidades pode trazer?
Mas antes é preciso dizer que, claro que a conquista cultural do sentimento de nação com Getúlio, de grandeza com JK e de justiça com Lula, não estão colocadas como uma evolução retilínea e muito menos como elementos irreversíveis. As contradições do contexto da luta entre os diversos projetos de nação que estão em disputa no Brasil, contingenciam e relativizam estas conquistas como história dinâmica, o que só nos aumenta ainda mais a responsabilidade, enquanto geração, de combinar melhor as escolhas políticas que determinarão sobre nosso destino nacional.
Neste cenário, é que as possibilidades que o processo político representado por Marina deve ser considerado na medida em que julgarmos como central pelo menos duas novas componentes políticas para nossa adoção cultural.
A primeira diz respeito a adoção da agenda da sustentabilidade em todas as suas dimensões e a segunda à adoção de uma prática política ética, ou seja, a que nos preserve enquanto nação e sociedade organizada a partir de direitos e deveres estabelecidos e assumidos.
Não se trata de uma única via, mas de uma via necessária na composição política nacional. Não podemos mais nos submeter ao curto raciocínio da opção política por exclusão, mas por composição estratégica.
Também precisamos fazer a Travessia de que nos fala Marina no texto abaixo, como diz, sob pena de ficarmos à margem de nós mesmos.

Tempo da travessia,
por Marina Silva, publicado na Folha de São Paulo
Faz um ano que fomos às urnas escolher presidente, governadores, senadores e deputados. Ainda hoje repercute o patamar de votação -quase 20 milhões de votos, levando as eleições para o segundo turno- que eu e o empresário ambientalista Guilherme Leal conseguimos, representando um projeto de desenvolvimento sustentável para o país.
Venho, assim, com justa razão, suscitando análises, criticas e avaliações quanto a possíveis desdobramentos de meu papel no intrincado cenário de nossa realidade política.
Em recente palestra no Rio de Janeiro, encontrei o deputado do PV francês Daniel Cohn-Bendit. Ele referiu-se à baixa expectativa, no passado, de que ocorressem fatos históricos que levaram ao fim estruturas e sistemas que pareciam inamovíveis, como a queda do Muro de Berlim, o fim da Guerra Fria ou a existência da Comunidade Europeia. E, no presente, quem imaginaria a queda de algumas ditaduras no mundo árabe, onde o Egito é o exemplo mais eloquente?
Dialogando com Daniel, permiti-me ser mais uma analista de meu próprio caso e lembrei que, até meados de 2008, ninguém, nem eu mesma, seria capaz de preconizar o que aconteceria nas eleições de 2010, ou seja, uma candidatura a presidente, com plataforma de sustentabilidade socioambiental, surpreender num cenário político em que o script eleitoral havia sido minuciosamente ensaiado para ser apenas uma espécie de plebiscito entre as principais forças políticas, PT e PSDB, que passaram a ocupar a cena de nossa crônica e empobrecedora polarização partidária.
Sem pretensão de sair de meu incômodo lugar de objeto de análise para o talvez menos incômodo lugar de analista, ouso dizer aos que supõem prever os fados da política só com base em correlações de dados pretéritos ou em tendências que sejam bem-vindos à era do imponderável, do imprevisível. Quem poderia afirmar, há 10 ou 15 anos, que os países ricos perderiam sua aura de inexpugnáveis e teriam que lidar abertamente com seus erros, tendo que enquadrar-se nas fórmulas e receitas de "sucesso" que nos ensinaram e prescreveram?
Diante de tantas incertezas dos outros e minhas, foi em Condeúba (BA) que encontrei na poesia de Fernando Pessoa uma excelente metáfora para minhas buscas de respostas.
Estava lá para o encerramento da Campanha da Fraternidade e, graças ao refinamento do padre Juliano, conheci estes versos de Pessoa: "Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos". 

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