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11.10.11

Sobre nossa cultura política


A Travessia de Marina

Marina Silva, independente de qualquer filiação partidária ou qualquer interesse político imediato, a partir do que possamos julgá-la, é uma figura que tem engrandecido enormemente as possibilidades da própria política no Brasil. Tanto do ponto de vista programático quanto ético.
O princípio político de não se julgar precipitadamente quem quer que seja, no caso de Marina, é um imperativo sob pena de não se ter a capacidade de identificar o que é especial em nossa História, a com H maiúsculo.
Getúlio Vargas, JK e Lula, para ficar nos mais importantes ex-presidentes pós 30, também foram referências centrais de processos que promoveram importantes saltos históricos que impactaram a cultura política brasileira, para além da própria conjuntura em que atuou. Marina é uma possibilidade real, mas é a sociedade brasileira, com maior responsabilidades para as lideranças e formadores de opinião, que definirá com precisão seu papel histórico.
Getúlio deixou um legado histórico que introduziu definitivamente na cultura política nacional, o desejo e a capacidade de nos pensarmos como nação por inteiro, incluindo todas as regiões, inaugurando assim o anseio por soberania, na cidadania comum.
JK foi referência de um processo que acrescentou em nossa cultura política, o desejo e a capacidade de se pensar o Brasil para além das lógicas paroquiais.
Lula marcou definitivamente a adoção da pauta social em nossa cultura política, ao mesmo tempo em que recolocou o papel de protagonista entre a cidadania.
E Marina? Quais possibilidades pode trazer?
Mas antes é preciso dizer que, claro que a conquista cultural do sentimento de nação com Getúlio, de grandeza com JK e de justiça com Lula, não estão colocadas como uma evolução retilínea e muito menos como elementos irreversíveis. As contradições do contexto da luta entre os diversos projetos de nação que estão em disputa no Brasil, contingenciam e relativizam estas conquistas como história dinâmica, o que só nos aumenta ainda mais a responsabilidade, enquanto geração, de combinar melhor as escolhas políticas que determinarão sobre nosso destino nacional.
Neste cenário, é que as possibilidades que o processo político representado por Marina deve ser considerado na medida em que julgarmos como central pelo menos duas novas componentes políticas para nossa adoção cultural.
A primeira diz respeito a adoção da agenda da sustentabilidade em todas as suas dimensões e a segunda à adoção de uma prática política ética, ou seja, a que nos preserve enquanto nação e sociedade organizada a partir de direitos e deveres estabelecidos e assumidos.
Não se trata de uma única via, mas de uma via necessária na composição política nacional. Não podemos mais nos submeter ao curto raciocínio da opção política por exclusão, mas por composição estratégica.
Também precisamos fazer a Travessia de que nos fala Marina no texto abaixo, como diz, sob pena de ficarmos à margem de nós mesmos.

Tempo da travessia,
por Marina Silva, publicado na Folha de São Paulo
Faz um ano que fomos às urnas escolher presidente, governadores, senadores e deputados. Ainda hoje repercute o patamar de votação -quase 20 milhões de votos, levando as eleições para o segundo turno- que eu e o empresário ambientalista Guilherme Leal conseguimos, representando um projeto de desenvolvimento sustentável para o país.
Venho, assim, com justa razão, suscitando análises, criticas e avaliações quanto a possíveis desdobramentos de meu papel no intrincado cenário de nossa realidade política.
Em recente palestra no Rio de Janeiro, encontrei o deputado do PV francês Daniel Cohn-Bendit. Ele referiu-se à baixa expectativa, no passado, de que ocorressem fatos históricos que levaram ao fim estruturas e sistemas que pareciam inamovíveis, como a queda do Muro de Berlim, o fim da Guerra Fria ou a existência da Comunidade Europeia. E, no presente, quem imaginaria a queda de algumas ditaduras no mundo árabe, onde o Egito é o exemplo mais eloquente?
Dialogando com Daniel, permiti-me ser mais uma analista de meu próprio caso e lembrei que, até meados de 2008, ninguém, nem eu mesma, seria capaz de preconizar o que aconteceria nas eleições de 2010, ou seja, uma candidatura a presidente, com plataforma de sustentabilidade socioambiental, surpreender num cenário político em que o script eleitoral havia sido minuciosamente ensaiado para ser apenas uma espécie de plebiscito entre as principais forças políticas, PT e PSDB, que passaram a ocupar a cena de nossa crônica e empobrecedora polarização partidária.
Sem pretensão de sair de meu incômodo lugar de objeto de análise para o talvez menos incômodo lugar de analista, ouso dizer aos que supõem prever os fados da política só com base em correlações de dados pretéritos ou em tendências que sejam bem-vindos à era do imponderável, do imprevisível. Quem poderia afirmar, há 10 ou 15 anos, que os países ricos perderiam sua aura de inexpugnáveis e teriam que lidar abertamente com seus erros, tendo que enquadrar-se nas fórmulas e receitas de "sucesso" que nos ensinaram e prescreveram?
Diante de tantas incertezas dos outros e minhas, foi em Condeúba (BA) que encontrei na poesia de Fernando Pessoa uma excelente metáfora para minhas buscas de respostas.
Estava lá para o encerramento da Campanha da Fraternidade e, graças ao refinamento do padre Juliano, conheci estes versos de Pessoa: "Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos". 

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