
O Senado Federal instalou a Comissão da Reforma Política com o objetivo de discutir temas estratégicos da vida política brasileira , como sistemas eleitorais, fidelidade partidária, financiamento eleitoral e partidário, cláusula de desempenho, suplência de Senadores.
Clique aqui e veja o documento da Comissão com as propostas de mudanças para os principais temas da Reforma."
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O PT e o desafio da Democracia Econômica, da Economia Solidária e do Socialismo
O PT, de acordo com sua Carta de Princípios, reivindica como objetivo maior a construção de uma Sociedade Socialista. Uma Sociedade radicalmente democrática em que as desigualdades econômicas, enquanto oportunidades, seriam eliminadas para que a riqueza da diversidade humana possa florescer em plenitude com base em relações políticas equilibradas, consolidadas por uma cultura profundamente solidária, de percepção profunda da semelhança entre os seres humanos, portanto iguais em direitos e deveres sem espaços para as dominações, explorações e discriminações de qualquer tipo.
Também é preciso dizer que a opção e proposição Socialista, surge da convicção ética e prática de que o mundo só será bom para mim permanentemente, se o for para todos os demais indivíduos que partilham comigo uma Sociedade. Ora, se vivo em um ambiente de miséria material e espiritual, se meus amigos, familiares, parceiros de trabalho ou mais quem preciso e/ou gosto, sofrerem com alguma seqüela deste mundo absolutamente insalubre, também sofrerei conseqüências. O vírus das doenças que brotam das condições de saneamento precário infecta o pobre e o rico, o ar poluído por uma relação devastadora do atual modelo econômico com a natureza entra no nariz do pobre assim como no do rico, a violência urbana que afeta o pobre também afeta o rico e por aí vai. Ou seja, a opção pelo Socialismo não nasce de uma motivação emocionalmente caritativa, mas racionalmente solidária.
Caridade é uma relação vertical entre quem tem e quem não tem. Solidariedade é o encontro de dois ou mais em torno de um objetivo comum. Portanto, o Socialismo e a Economia Solidária são, antes de qualquer coisa, expressões de inteligência. Por isto precisamos entender que um projeto de sociedade é determinação da cultura da sociedade – cultura enquanto valores, crenças, hábitos e condutas que uma sociedade, em sua prática concreta, dá importância e prestígio. Cultura como construção em dois atos simultâneos e interdependentes: a Política e a Economia.
Tal elaboração parte do pressuposto que jamais teremos democracia política enquanto não houver democracia econômica. Já que, independente do que está escrito no texto da lei, o exercício efetivo de direitos, na Sociedade Capitalista, é decorrente da posição econômica dos indivíduos.
Ou seja, mesmo que na lei esteja escrito que todos “são iguais”, no cotidiano da vida prática – que é o que importa -, um pobre tem muito menos chances de exercer seus direitos básicos como comer, estudar e ter saúde, que um rico. Tanto pelo que sua posição sócio-econômica lhe confere de informação e conhecimento quanto, de capacidade efetiva para fazer valer seus direitos diante das instituições do mundo capitalista que a tudo atribuem valor em dinheiro, exatamente o que o pobre, no conceito capitalista, não tem. Fato este, que só é possível pela absorção psicológica, pelos indivíduos, de valores éticos e morais que normalizam a miséria e as discriminações que formam a cultura capitalista que sustenta, mais do que um modo de produção, um modo de vida.
Aliás, como política e economia estão juntas e misturadas, mesmo nas relações políticas, a situação econômica de cada participante do jogo de poder, pesa decisivamente. Uma coisa é ser líder, porque com idéias polariza militantes sem perder a horizontalidade na relação de poder que com eles estabelece. Outra coisa é ter um grupo político constituído por um chefe e os demais que são funcionários ou fornecedores do primeiro, verticalmente abaixo deste.
Portanto, não há como alicerçarmos hoje, nas condições que temos, a construção de uma Sociedade Socialista, e um Partido Socialista, sem que se trabalhe a alteração das relações econômicas desde o cotidiano e, as relações de produção e democratização da educação e do conhecimento, trabalhando a absorção social de uma nova cultura baseada na solidariedade entre os seres humanos.
Abordando por outro ângulo, também poderíamos dizer que, se o Capitalismo é sustentado por uma dada formação econômica e pelo conjunto de valores que formam a cultura que o sustenta, não há como trabalhar a construção do Socialismo reproduzindo na prática as mesmas relações político-econômicas verticais e os mesmos valores culturais, baseados na convicção da não semelhança entre os seres humanos.
Com outras palavras ainda, não há como construir os elementos econômicos e culturais pró Socialistas através de práticas que reproduzem a concentração de renda e poder. Mais uma vez, é preciso admitir que só se colhe o que se plantou. Jamais colheremos solidariedade pró Socialismo se no cotidiano da política e da economia, reproduzimos na prática a semeadura de valores Capitalistas como a concentração e acumulação de recursos, a competição que elimina os concorrentes e a tudo justifica, inclusive a corrupção. Além das práticas que reproduzem discriminações que tornam uns, menos dignos do exercício pleno da cidadania, que outros.
Mas para não sermos de todo irresponsáveis com a natureza complexa deste debate, precisamos mergulhar um pouco na dimensão histórica e teórica.
Marx e a natureza da Transformação Social
A afirmação de Karl Marx de que “em última instância”, a consciência humana e as relações sociais decorrentes, são determinadas pela economia, no prefácio da Introdução à Crítica da Economia Política, produziu reflexões que se materializaram, no seio da tradição de esquerda, em duas fortes correntes teóricas e políticas. A dos que pensam a política linearmente a partir da economia, prática que marcou profundamente a tradição de esquerda até os anos 80, no caso brasileiro. E, a dos que criticaram Marx, a partir do próprio exercício crítico dialético marxista – outra tradição da esquerda até os anos 80 – no sentido de apontarem a incorreta relação estabelecida pelo gênio alemão entre infraestrutura e superestrutura ou, entre o sujeito e o objeto.
Os críticos defendiam, e ainda defendem, que Marx se equivocou porque se é verdade que o objeto(infraestrutura das relações sociais ou as relações de produção, ou ainda, a economia) é anterior(pré existente) ao sujeito, o sujeito(ser humano) lhe é superior porque único capaz de transformá-lo. Portanto, a consciência do sujeito não é resultado do objeto(infraestrutura econômica) mas do conflito dialético de sua experiência concreta e suas reflexões autônomas.
Ou seja, a consciência social média(superestrutura) é uma construção a partir da relação direta com a infraestrutura econômica, mas superior porque capaz de projetar mentalmente uma nova realidade desejada. Não fosse assim, concluem, Marx teria eliminado a capacidade de transformação social a que se dedicou a vida inteira.
Se considerarmos o momento histórico desta obra, 1859, é possível entender que Marx vivia efusivamente o Cientificismo, em que a ciência, enquanto atividade humana, consolidava a libertação das sociedades do longo período obscurantista medieval que tudo justificava por desígnios divinos – concluindo um trabalho iniciado pelo Renascimento e o Iluminismo. Não por acaso, o pai do comunismo, argumenta que o método que utiliza “é o método cientificamente exato. O concreto é concreto porque é síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação(humana)”.
Mas havia ainda uma segunda grande motivação em Marx naquele momento, o combate à dialética idealista de Hegel. Não por acaso, a obra de que tratamos surge após 15 anos de estudos com forte ênfase na crítica da Filosofia do Direito em Hegel. Sendo neste contexto então que Marx afirmou que "na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais."
Marx então avança dizendo, "A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência". E arremata, "Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência". Reduzindo, portanto, o papel superior e transformador da consciência humana.
Logo adiante, para resolver a contradição com a questão da transformação social elabora, "Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então tinham se movido". De maneira que: "De formas de desenvolvimento das forças produtivas estas relações de produção se transformam em seus grilhões. Sobrevem então uma época de revolução social". Observe que Marx diz mais de processo do que de colapso.
E segue: "Uma formação social nunca perece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais ela é suficientemente desenvolvida, e novas relações de produção mais adiantadas jamais tomarão o lugar antes que suas condições materiais de existência tenham sido geradas no seio mesmo da velha sociedade. È por isso que a humanidade só se propõe as tarefas que pode resolver, pois, se consideramos mais atentamente, se chegará à conclusão de que a própria tarefa só aparece onde as condições materiais de sua solução já existem, ou, pelo menos, são captadas no processo de seu devir". Aqui é que Marx escorrega, segundo seus críticos. Em seu pensamento, quase não há liberdade para a elaboração da consciência humana.
Ora, quando Leonardo Da Vinci desenhou o “helicóptero”, em 1540 aproximadamente, não havia qualquer base material para construí-lo com eficácia, nem semelhanças naturais como um pássaro ou algo parecido, mas não há dúvidas que o conceito desta criação apontou um processo que a fez matéria em 1942, 400 anos depois – mas é disso que tratamos aqui, de processos.
Contudo, Marx descreve da seguinte maneira o processo de transformação social: "Com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez”. Ou seja, “as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo as formas ideológicas, fazem os homens tomarem consciência deste conflito e o conduzirem até o fim".
Para além da polêmica
Bem, ressalvado a inconclusão deste debate, o certo é que a economia ocupa um papel central em qualquer concepção de Transformação Social. Ou seja, não há como contornar a tarefa de construir novas condições e relações econômicas cotidianas se o Socialismo for, de fato, um objetivo verdadeiro.
A partir daí, as estratégias de conquista da livre opção da Sociedade pelo Socialismo ou, por uma Sociedade Solidária, passa também com centralidade pela introjeção de uma nova cultura econômica a partir do cotidiano, o que exige a combinação de estratégias no espaço público de Estado com estratégias autogestionárias no espaço privado ou particular da Sociedade Civil.
A grande contribuição que o movimento por uma Economia Solidária oferece à tradição socialista é que a conquista da Sociedade para o projeto Socialista não pode esperar as conquistas apenas no plano macroeconômico – que, de certa forma, também guarda relação com o que se constrói no dia-a-dia da sociedade.
É certo que as políticas distributivas de renda, como o Bolsa Família ou a recuperação real do Salário Mínimo, dentre muitas outras(Prouni, Minha Casa etc), são de importância máxima e capazes de reverter o brutal processo de exclusão que ainda avilta multidões em nosso país. E, sem dúvidas, são as responsáveis pelo terremoto social que está acontecendo no Brasil principalmente com a erupção de uma quantidade expressiva de novos consumidores, o que tem sido decisivo para uma propulsão da economia nacional que não acirra a concentração de renda, ao mesmo tempo que nos confere uma grande estabilidade frente às crises internacionais, propiciando o exercício de nossa soberania nacional em patamares impensáveis há apenas 10 anos atrás, tal como nos parecia a questão da Dívida Externa que tínhamos como Eterna e simplesmente acabou, considerando as dimensões anteriores aos governos do PT.
Na verdade, o acesso de mais segmentos sociais ao mercado, diz respeito ao processo de democratização da economia, o que é importante em si, mesmo em uma Sociedade Capitalista. Ora, já é um significativo consenso a compreensão de que a condiçaã econômica concorre diretamente para o exercício efetivo dos direitos sociais e políticos inclusive. Como já vimos, sem democracia econômica jamais teremos democracia.
No entanto, no plano da construção de valores pró Socialistas, como a cooperação, a solidariedade e a capacidade de potencializar as diversidades humanas que temos em nossa nação, contribuem pouco porque ainda estão centradas no paradigma do consumo na lógica da acumulação individualista.
É claro que ninguém pensa em Socialismo com fome. Para os enormes segmentos sociais excluídos da Sociedade Capitalista, que significa “estar fora do mercado” ou ainda, “fora dos que podem comprar”, passar a consumir é um processo de inclusão social radical e cidadania que pode até ter um cunho revolucionário, e este é que é o ponto.
Não estamos tratando com coisas excludentes. A reversão macroeconômica dos indicadores de concentração de renda pode, e deve, se combinar com estratégias que fortaleçam práticas de uma nova forma de consumir, de comercializar, de produzir, inclusive em escala.
O Socialismo não será produto de decreto presidencial, nem de Lei do Congresso – ainda que a formalização seja desejável. O Socialismo se firmará de fato, quando a Sociedade abraçar, por vontade própria, os princípios e valores socialistas e isto não será produto apenas da razão, assim como qualquer dos valores e princípios que na prática reproduzimos. Valores e princípios são produto pedagógico de uma vivência humana real, por isso a família e os círculos comunitários pesam tanto.
A Economia Solidária oferece uma vivência humana real e cotidiana baseada na autogestão, na cooperação e na solidariedade capaz de, mesmo em macroambiente econômico capitalista, vicejar como a boa muda, de baixo pra cima, respirando nos interstícios do sistema, se alimentando dos nutrientes mais profundos dos seres humanos e, se a raiz for forte, será capaz de quebrar até concreto armado que tente lhe impedir de crescer, como as raízes das mangueiras de Belém rompem as amarras das calçadas.
A partir de laços solidários entre amigos, parentes e companheiros, a Ecosol propõe que se reinvente a troca, célula fundamental da economia. Propõe que cada indivíduo tenha a inteligência e o amor necessários para equilibrar e harmonizar a sua realização pessoal com a melhor opção social. Propõe que se reaprenda e se ressignifique o sentido de “riqueza” – do “ter muito” para “ser muito” feliz. Propõe que se reaprenda e se ressignifique o sentido de “felicidade” – do “conforto material” para o seguro “acolhimento” dos amigos.
Mais uma vez, não há contraposição entre “ter conforto material” e “ser feliz, acolhido pelos que gostamos”. É só ter claro o que é mais importante e fundamental para uma Sociedade Sustentável, equilibrada e saudável. Ou seja, não há mal em “ter”, se isto não prejudicar o “ser” – tanto individual quanto socialmente.
Portanto, um partido Socialista, enquanto expressão política e instituição que organiza segmentos sociais concretos, possui a oportunidade estratégica de ajudar a fluir a conexão tanto no plano macro das políticas públicas quanto no plano das experiências particulares, no seio da sociedade civil.
Por exemplo, como a Economia Solidária é uma alternativa viva de economia, o partido poderia dar o exemplo, enquanto organização de pessoas e entre seus parlamentares, gestores públicos, lideranças, dirigentes e militantes, estimulando e motivando que passem a produzir e consumir dentro dos princípios da Ecosol.
Este simples exercício, de estimular que os seus membros pensem seus empreendimentos cooperativamente, que passem a freqüentar feiras e empreendimentos de economia solidária, que participem de Clubes de Trocas, de bancos Comunitários, que usem Moeda Social etc, demonstraria para o conjunto da sociedade o sentido com que fazemos política. Ao mesmo tempo, teríamos o próprio exemplo, além do discurso, a conquistar mais e mais pessoas, não apenas para uma nova prática econômica, senão que para uma nova Sociedade.
Imaginem se o PT chamasse os seus militantes e simpatizantes – se tratarmos de filiados, são 14 mil só em Belém – que estão nos sindicatos, nas associações de moradores, nas ong´s, que são empresários, que são parlamentares, que são lideranças sociais, que estão nos movimentos de mulheres, negros, juventude, deficientes, idosos, etc, para debater sobre a construção de políticas públicas e iniciativas práticas inovadoras tanto na dimensão estritamente política, buscando construir uma democracia participativa com Controle Social sobre o Estado. Quanto na dimensão econômica, buscando construir uma Economia solidária. Tanto para ocupação programática de espaços públicos quanto na ação prática no seio da Sociedade Civil. Se somássemos este potencial, rapidamente criaríamos uma referência de mudança prática e palpável no sentido do Projeto de Sociedade que defendemos em discurso. Pautando a agenda pública a partir dos nossos interesses estratégicos ao invés de continuarmos sendo pautados pelos interesses das elites capitalistas que é o fortalecimento de seu modelo de sociedade em torno da idéia que as soluções dos problemas virão apenas de mega projetos econômicos.
Talvez assim, exercitando a convergência de ação, pudéssemos ainda recobrar o bom senso nas disputas internas e ganhar a sabedoria de somarmos todas as nossas diversidades no rumo do que nos unifica, colocando a Sociedade no centro de nossas interlocuções e admitindo que, com esta, nossos exemplos práticos são mais eloqüentes que qualquer discurso. Precisamos retomar a capacidade de inventar e nos reinventar.
Em recente entrevista cedida ao grande jornalista Correa Neto, o senador Randolfe Rodrigues Psol/AP respondeu.
R- Eu tenho por convicção uma lógica, o objetivo de um partido político, seja qual for, é a conquista do poder, para mudar o poder e não para ser mudado por ele. O meu sentimento é que com o PT, ao invés de mudar o poder, o partido é que foi mudado pelo poder. Isso não desmerece maravilhosos quadros éticos que existem dentro do PT. Eu não tenho nenhuma relação de ódio ou rancor com o PT. É lógico que eu sofri muito com a mudança, e como em toda separação o primeiro momento é um momento de rompantes. Mas amadureci com o tempo e tenho ótimos amigos no PT, posso citar vários os quais posso chamar de companheiros. Mas acho que o PT, enquanto instituição, perdeu a perspectiva de ser um instrumento de mudar o poder e acabou sendo transformado.
Há dias almocei com um expressivo quadro petista do Pará, que é João Cláudio Arroyo, um quadro decente, honesto, progressista. Eu estaria em qualquer organização política ao lado de Arroyo. O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, também é um importante quadro. Então, tem uma quantidade enorme de figuras, e eu destaco que nós estaremos aliançados em muitas causas pelo Amapá e pelo Brasil. Rompi em 2005 com o PT porque eu não acreditava que naquele momento uma refundação do partido seria possível, e é necessária."
Obrigado senador.
O PT, a Reforma Política e o desafio da democracia participativa e do Controle Social sobre o Estado
A Reforma Política, colocada por Dilma como prioridade de seu governo, é uma peça central no tabuleiro da ordem política nacional após a “reacomodação de camadas” após o terremoto social que as políticas públicas redistributivas da Era Lula, provocaram na estratigrafia social brasileira.
Acontece que “o risco que corre o pau, corre o machado”. A Reforma Política coloca uma oportunidade de ouro para aprofundarmos e ampliarmos a democracia brasileira. Ou, se não cuidarmos como é preciso, que tenhamos revezes democráticos que limitem ainda mais a nossa recente democracia.
Isto porque a cultura democrática da sociedade brasileira, ou seja, os valores e costumes que se reproduzem no dia-a-dia da conduta prática da maioria dos brasileiros, não está baseada majoritariamente sobre relações democráticas tanto no espaço privado da família, empresas, do comércio e outras organizações particulares, quanto no espaço público da escola, da igreja, da mídia, do governo, do parlamento e do judiciário.
Ou seja, os indivíduos nem se perguntam se é correto ou não que um grupo pequeno ou, muitas vezes, uma só pessoa, tomem as decisões que afetarão o coletivo sem nem consultá-lo. Há ainda os que gostam e reivindicam exatamente este tipo de relação. Não por acaso, somos o país do rei do futebol, rei momo, rei das baterias, rei da empadinha etc.
No plebiscito sobre a forma de governo no Brasil, a República venceu com 44 milhões de votos, mas a Monarquia teve quase 7 milhões de votos, sendo que mais 7 milhões foram em branco e quase 9 milhões de votos nulos. Além disso, a opção pela República guarda várias alternativas não democráticas. Mas o que é importante é que há grupos organizados que assim concebem a sociedade reúnem recursos e fazem campanha.
Ora, se para o PT o “socialismo será democrático ou não será socialismo”, como afirma nossos documentos básicos sobre o socialismo petista, a tarefa de ampliar e aprofundar a cultura democrática na sociedade brasileira em todos seus espaços, deve ocupar o centro de nossas estratégias políticas, econômicas e administrativas onde petistas são gestores e lideranças.
Não foi sem propósito que na década de 90, o saudoso Modo Petista de Governar, marca que servia de referência para a sociedade e as administrações petistas se diferenciarem dos conservadores, trazia como carros-chefe a Inversão das Prioridades, no sentido da aplicação dos recursos públicos para os setores até então excluídos, e o Orçamento Participativo, que inspirou importantes iniciativas onde o cidadão e a cidadã participavam da decisão, total ou parcialmente, sobre o destino dos recursos públicos, particularmente os destinados à investimentos. Dois fazeres que deixavam claro para a sociedade nosso compromisso com o aprofundamento da democracia e seu sentido popular.
Uma das conseqüências do terceiro congresso do PT foi a “relativização” do Modo Petista de Governar para que pudéssemos atrair setores ainda não convencidos destas medidas, no sentido de viabilizar nosso projeto político-eleitoral, o que se demonstrou correto com a eleição de Lula em 2002, após 3 outras tentativas anteriores.
No entanto, após 8 anos de um governo coordenado pelo PT e as transformações que, apesar de inconclusas, já possuem um sentido claro na direção de uma sociedade mais equilibrada socialmente, fundamento primeiro do desenvolvimento sustentável, talvez tenha chegado a hora de voltarmos a pautar a sociedade, em sua agenda pública, com o aprofundamento da democracia no sentido de ampliar e aperfeiçoar mecanismos de participação direta na elaboração, decisão e implementação de políticas públicas a partir do orçamento público e de valorizar e difundir as boas práticas de Controle Social sobre o Estado.
Como se sabe, o ser humano se acostuma com tudo, até com o que é ruim, e vai “normalizando” as práticas sociais que assim vão se transformando em cultura passando a não chocar mais as pessoas. Assim é ver a multidão passar tranqüila diante de uma criança que revira lixo procurando o que comer ou se acomodar diante de uma atitude ditatorial tomada por alguém.
O ponto de partida é promovermos a reflexão sobre a necessidade do aprofundamento e aperfeiçoamento da democracia na sociedade brasileira, mas não apenas com cursos e discursos, sobretudo com sua prática institucional, ou seja, como o partido em si é administrado e, como seus militantes cumprindo papéis de gestor, dirigente ou liderança, onde quer que estejam, agem.
Lembro que a proposta do PED(Processo Eleitoral Direto) tinha este propósito. Na época, a idéia era dar à sociedade uma demonstração de que o PT é uma experiência política comprometida com a democracia a partir de si mesmo e, de fato, o PED fez do PT o único partido brasileiro, e não tenho notícia de outro no mundo, que tem a escolha de seus dirigentes por votação direta de seus filiados.
Só que, como a prática é o critério da verdade, como dizia Marx, as últimas edições do PED demonstrou que se os petistas não refletirem sobre suas próprias escolhas, teremos sido derrotados no que nos é mais caro, nossos sonhos.
No Pará, o ultimo PED transcorrido em 2009, combinou diversas práticas que na legislação eleitoral vigente no país, são criminosas: transporte de eleitores, oferta de vantagens econômicas aos eleitores como o pagamento das anuidades, entre outras atrocidades cometidas com a plena anuência das instâncias de gestão partidária.
Sem falar que inúmeras pessoas que foram abordadas na campanha, sequer sabiam que eram filiadas. Produto de um processo de filiação em massa sem qualquer critério que fez com que o número de filiados em Belém saltasse de 6 para 14 mil filiados. Antes, filiado era sinônimo de militante, agora, não mais.
Mais uma vez, a lógica enlouquecida da disputa interna sem limites éticos, se sobrepõe sobre a construção da credibilidade do PT junto à sociedade como referência de uma nova opção política real. O que a sociedade assistiu foi o uso deslavado e aberto da estrutura partidária, da influência obtida na ocupação de espaços público no executivo e no parlamento e, enfim, o uso brutal do poder econômico mascarando a vontade real e consciente dos filiados. Exatamente o que antes, dizíamos combater.
É verdade que o marco regulatório interno do PT ganhou muito quando seu congresso aprovou o Código de Ética de redação brilhante e irretocável. Mas que, de nada valerá se os militantes, principalmente as lideranças públicas e dirigentes, não trabalharem com afinco para que, o que está escrito, se torne uma cultura, um valor, no cotidiano partidário.
Mais uma vez, ao dizer isso, escutamos sorrisos e olhares nos acusando de ingenuidade. Bom, se combater o uso aético do poder econômico e político conquistado por alguns, justamente por esforço partidário coletivo, for ingenuidade, então foi absolutamente ingenuidade ter criado o PT, ter lutado por 30 anos, ter visto irmãos tombarem em batalha, ter criado na sociedade o sonho de que era possível mudar, enfim, então é ingenuidade ser socialista?
Engraçado, foi a mesma coisa que escutei de conservadores admiradores da ditadura, quando comecei a minha militância política no início da década de 80.
Pelo avanço geral da democracia no Brasil e no mundo, pelas novas conquistas dos novos movimentos sociais, estou convicto que eu estava certo quando fiz minha opção de vida pelo socialismo ou, como hoje prefiro, por uma sociedade solidária.
Por tudo isso é fundamental aproveitarmos o processo da Reforma política para pautarmos a sociedade, a partir de nossas elaborações e exemplos práticos, com propostas de aprofundamento da participação popular na democracia que temos, bem como do Controle Social sobre o Estado como um todo.
Poderíamos anunciar o Orçamento Participativo Petista, para discutir com transparência absoluta a gestão dos recursos do partido. Poderíamos promover audiências públicas mensais com nossas bancadas para que militantes e simpatizantes possam acompanhar o que se faz, em nome do PT, no legislativo. O mesmo com os gestores públicos petistas sobre a atuação no órgão para o qual foi indicado por força partidária. Nossos prefeitos podem se tornar em ícones públicos da democracia participativa, é só querer. O mesmo podemos fazer em nossos sindicatos, ONGs etc.
Mais uma vez, é uma questão de escolha.