De tudo o que se tem escrito sobre as eleições 2010, percebemos que há dois pontos de partida das análises, pontos reveladores da disposição do autor. Uns, a grande maioria, se esforçam por explicar o poder. Outros, em número bem menor, em exercê-lo. Proponho que façamos este debate com a honestidade dos primeiros e a disposição dos que estão dispostos e determinados a participar, com autonomia, da política.
Entre uns e outros, um desafio ético. Como revelar as verdadeiras motivações que hoje fazem o poder, o que exige um certo distanciamento do mesmo, sem abrir mão da própria cidadania que pressupõe o autor como mais um sujeito participante do processo político.
Diante do dilema, tentaremos pontuar questões factuais, mas sem comprometer em nenhum momento a clareza de nossa disposição em sermos protagonistas de iniciativas estratégicas que nos coloquem como alternativa de programa e prática política na Sociedade.
Acho bem mais do que pedras nas mãos,
Dos que vivem calados, pendurados no tempo
Esquecendo os momentos, na fundura do poço
Na garganta do fosso, na voz de um cantador
(A terceira lâmina - Zé Ramalho)
1. Como gramsciano, concebo o debate da cultura política brasileira o ponto central a ser abordado, já que as estratégias políticas surgem daí e os programas e projetos ideológicos revelam o seu dinamismo e suas possibilidades. No entanto, a conjuntura também é uma observação obrigatória porque desenha o ambiente no qual os cenários irão descortinando a presença viva e ação intencionada dos atores.
2. Como diz Hamilton Pereira, “o PT antes de ser um fato político é um acontecimento cultural” o que reforça nossa perspectiva de análise.
3. A eleição da primeira mulher presidenta coleciona mais um tabu quebrado desde que o PT eclodiu no cenário político nacional há 30 anos quando o projeto conservador do status quo pré-republicano brasileiro entrou em descenso sistemático juntamente com a ditadura militar.
4. Período em que se firmaram as bases sociais de um projeto popular-republicano cujas sementes brotaram com os tenentes e a Coluna Prestes na década de 30, a partir do que a República, no Brasil, finalmente avançou para além da institucionalidade conquistada em 1889.
5. Portanto, estamos testemunhando uma etapa de um longo processo, com marchas e contra-marchas, em que novos segmentos sociais e novas elites entram no jogo político com poder crescente, trazendo para o palco sua cultura que passa a compor o somatório de vetores que produzem as resultantes que se tornam visíveis na política em momentos específicos e eventos como as eleições.
6. Em 2010, estamos assistindo a um novo anúncio dos setores populares da sociedade. Em termos de renda, setores pertencentes às classes B, C e D principalmente. Ao mesmo tempo em que percebem o jogo político ainda majoritariamente influenciados pela tradição das relações assistencialistas, de vários tipos, já indicam que distinguem as políticas públicas que os colocam como beneficiários centrais daquelas que são claramente voltadas para setores do grande capital e suas cortes ideológicas, hoje, destacadamente ‘entrincheiradas’ nos grandes meios de comunicação.
7. Ainda é muito forte nos resultados das eleições proporcionais, o assistencialismo. A manipulação eleitoreira de estruturas, e benefícios que deveriam ser públicos, possui muito maior eficácia do que a polarização de opinião, práticas republicanas e projetos de sociedade.
8. O desencanto com a prática política dos “políticos”se generalizou e se revelou com o distanciamento dos setores mais intelectualizados e com a frieza e venalidade dos setores mais empobrecidos, porém atentos.
9. Já na eleição majoritária, particularmente para presidente, onde as decisões são mais capitais para o modelo de desenvolvimento, o posicionamento tendeu à percepção daquilo que ativou o dinamismo da economia, abriu novas oportunidades e apontou para um maior inclusão da sociedade brasileira.
10. Dima venceu em Minas e no Rio. Perdeu por pouco mais de 1 milhão em São Paulo, quando os tucanos pretendiam uma diferença de 5 milhões, o correndo o mesmo no Sul. Já no NE e NO obteve votação maciça.
11. Consideramos que o efeito devastador da recuperação das motivações e efeitos da privatização e da submissão ao receituário neoliberal, no segundo turno, foi capaz de reverter o irresponsável recurso ao discurso religioso perpetrado pelos conservadores.
12. Portanto, pela via da percepção das políticas públicas talvez esteja em maturação uma percepção mais rebuscada em torno dos projetos de sociedade em disputa no Brasil, seus agentes, estratégias etc. Mas claro que isto apenas se estabelecerá como tendência se esta for uma ação incluída no repertório estratégico de segmentos políticos que se identificarem com esta perspectiva, porque política mesmo é o que se faz entre uma eleição e outra.
13. A questão da “Ficha Limpa”, por exemplo, se coloca nesta mesma perspectiva de republicanização da política. Mostrou o que se pode fazer de mobilização social e institucional pela internet a partir da identificação e tradução de um clamor da sociedade em atitude prática.
14. Curiosamente, foi capaz de se utilizar, talvez por acaso, da própria lógica que combate para entrar em vigor. Foi aprovada no parlamento por mera covardia dos que não quiseram assumir suas verdadeiras convicções e, só entrou em vigor(até agora) porque a partidarização da suprema corte do país fez com que a decisão fosse inviabilizada. Mas enfim, avançamos.
15. Portanto, as eleições de 2010 sinalizam para o aprofundamento de um projeto de sociedade que tende a ampliar sua inclusão social na economia assim como tende a avançar o processo de republicanização do Estado. No entanto, a velocidade e a qualidade deste processo ainda estão em disputa.
No Pará
16. No plano estadual, a eleição majoritária revelou duas questões fundamentais que destaco como autocrítica: 1) Não fomos capazes de comunicar o “projeto”, traduzindo-o, diferenciando-o dos conservadores. Não qualificamos a disputa, e num plano mais rebaixado nos tornamos vulneráveis aos nossos próprios erros de gestão. 2) Mesmo tendo um programa, e realizações, muito importante estrategicamente para a constituição de uma nova base socioeconômica no Pará, perdemos para nós mesmos quando não soubemos “fazer política” identificando e qualificando aliados político-partidários de fato dispostos a construir uma relação duradoura. Não demos o tratamento adequado aos aliados, não tivemos uma correta leitura da correlação de forças e ficamos reféns de setores que arrancaram benefícios os 4 anos mas que não se comprometeram em nos acompanhar nas eleições.
17. Também não se construiu um diálogo qualificado com os movimentos sociais populares e a militância de esquerda, que sem qualquer motivação ideológica, cuidaram dos interesses corporativistas, quando não apenas pessoais.
18. Fomos um governo que trabalhou muito, atendeu muito mas aborreceu muito as pessoas, inclusive dentro do próprio PT, com a forma de conduzir a gestão do cotidiano.
19. O crescimento do PT no parlamento estadual e federal, mostra que nem toda força petista conseguiu, por qualquer motivo, refletir sua força na disputa proporcional na disputa majoritária.
Perspectivas estratégicas
20. O pior que pode acontecer é continuarmos, como partido, a nos manter distantes de qualquer análise crítica do processo já que a única coisa que não podemos perder é a lição.
21. Mesmo no plano nacional, não é porque tivemos sucesso eleitoral, que devemos deixar de refletir sobre a natureza do processo de escolha de nossa candidata e suas conseqüências prováveis na cultura petista.
22. No geral, teremos a manutenção da tendência a institucionalização das disputas políticas, ou seja, os setores e grupos políticos que não ocuparem espaços institucionais terão baixa eficácia política. O que não quer dizer que deva se abandonar a construção de iniciativas sociais autônomas e inovadoras, diretamente no seio da Sociedade.
23. Por exemplo, é muito importante investir na Economia Solidária como prática de vida na esfera privada. Mas tendo a clareza de que esta prática só se consolidará se for apoiada por políticas públicas, o que demanda fundos públicos e estes, por sua vez, demandam que sujeitos políticos com esta identidade ocupem espaços decisórios públicos com legitimidade.
24. No plano federal, mesmo resguardando a importância e o lugar estratégico central da gestão econômica stritu sensu tem se enfatizado o aprofundamento da componente social no novo governo, já com o anúncio da prioridade para saúde e segurança, além da continuidade firme das políticas de distribuição de renda.
25. No plano estadual, estamos diante de “mais do mesmo”. Não visualizamos novidades. Os conservadores não apresentaram nenhuma inovação política. O que ratifica que perdemos para nós mesmos.
26. As lideranças de esquerda que antes ainda mantinham o estado na pauta do governo federal, agora estão enfraquecidas. Vamos precisar de mais e melhores interlocutores para potencializarmos as oportunidades que permanecem ao alcance na perspectiva de uma republicanização de caráter popular no Brasil.
27. A alternativa Marina é importante e veio para ficar, mas talvez não para ganhar. É uma incógnita se será capaz de dar uma feição programática própria para o PV diante de práticas políticas tão diversas.
28. No Pará, veremos mais uma vez uma recomposição fisiológica das forças político-partidárias. Nenhuma novidade, o que inclui a perseguição ferrenha dos opositores que estiverem no campo de alcance do aparelho público e a constante tentativa de capitalizar diante da platéia os investimentos federais enquanto, na verdade, trabalham para reverter os efeitos das políticas distributivas.
29. Assim como quando perdemos a eleição para prefeito, veremos mais uma vez fortes sinais de fragilização dos movimentos sociais populares, das ONGs e outras expressões de militância de esquerda livre que nos sustentou na oposição.
30. Contudo, para os que ainda sonham e lutam, a construção simplesmente continua. E, o melhor caminho agora, seria o debate propositivo.
Acho que os anos irão se passar,
Com aquela certeza que teremos no olho,
Novamente a idéia de sairmos do poço,
da fundura do fosso, na voz de um cantador.
(A terceira Lâmina - Zé Ramalho)
3.11.10
Eleições 2010: Pontos para um aprendizado
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Um comentário:
Caro Arroyo, boa analise. Continue assim, politizando o debate no interior do PT.
abs
Oeiras
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