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16.11.10

Análise de Conjuntura e Economia Solidária para 2011



O movimento por uma Economia Solidária
e a Conjuntura 2010/2011

Para ler a conjuntura, precisamos estar atentos para entender que “A novidade crucial deste momento histórico é que as crises necessitam ser enfrentadas simultaneamente. As crises econômica, energética, alimentar, climática, do trabalho etc, não estão isoladas. A elas se acrescenta uma crise de caráter ético-cultural e todas se manifestam de forma sinérgica, mesmo se, às vezes, isso não pareça tão evidente. Percebe-se, e cada vez com maior evidência, um encadeamento das crises. Já não se pode mais dar centralidade apenas à economia para, depois, ocupar-se das outras crises. A questão central diz respeito ao esgotamento do modelo de desenvolvimento criado e incrementado na sociedade industrial, baseado em uma visão linear, progressiva, infinita e redutora de desenvolvimento, e que tem no consumo desenfreado a sua mola propulsora. A crença no crescimento econômico e sua linearidade se romperam.( Ir. Delci Franzen – CNBB)”. Portanto, é com este enfoque que apresentamos a análise a seguir.

Análise internacional

A “guerra cambial” que marca o cenário mundial nesta passagem de 2010 para 2011 anuncia mais um degrau abaixo que o centro do sistema capitalista desce na sua tentativa de reverter o processo de perda de valor da economia, na medida em que se descola do trabalho e da vida real para se sustentar cada vez mais do capital fictício da especulação financeira.

Quando decide imprimir papel, fabricando 600 bilhões de dólares sem qualquer lastro produtivo, o Banco Central americano – entidade superior às instituições democrática daquele país, que atende pela sugestiva sigla FED – na verdade, repete a receita de desestabilizar tudo para se manter em pé.

Se não vejamos, se ocorrer o fabuloso derrame de dólares, conforme anunciado, ao mesmo tempo que aquecerá a economia americana de maneira artificial, produzirá uma acelerada desvalorização da moeda americana, que como foi imposta com moeda universal depois da segunda guerra mundial, possui ainda forte impacto no mercado mundial.

A queda do dólar facilitará a exportação de produtos americanos revertendo bruscamente o fluxo comercial mundial com particular impacto negativo nas economias “emergentes” como o Brasil que possuem suas exportações como um dos pilares de seu desenvolvimento econômico.

Com esta reversão a tendência é de aumento das importações e maior competitividade interna que a princípio pode servir de estímulo, mas se chegar ao ponto da substituição do consumo do produto nacional pelo exportado, tenderá ao fechamento de postos de trabalho produtivo, perda de iniciativa empreendedora e consequentemente ao desemprego, perda de poder aquisitivo dos trabalhadores, concentração da renda e todo o roteiro que vitimou nossa história recente e que lutamos muito para começar a reescrevê-la nos últimos 8 anos.

Este possível macrocenário econômico coloca o desafio de ampliar as bases de sustentação de um desenvolvimento econômico com soberania política e inclusão social.

Do ponto de vista político, o filósofo português, Boaventura de Sousa Santos, em seu artigo “Respirar é possível” fez uma interessante síntese do impacto das eleições brasileiras no centro do sistema mundial.

Boaventura afirma que “As eleições no Brasil tiveram uma importância internacional inusitada”. Enquanto a Europa vive uma grave crise, que ameaça “liquidar o núcleo duro da sua identidade”, o modelo social europeu e a social-democracia, o Brasil reduziu significativamente a pobreza fundado na idéia básica de combinar “aumentos de produtividade econômica com aumentos de proteção social.”
Para o governo dos EUA, Boaventura define que “o Brasil de Lula foi um parceiro relutante, desconcertante. “Combinou uma política econômica aceitável com uma política externa que não se alinha integralmente com as decisões de Washington.”
Além de alavancar sua soberania pagando a, até então impagável, dívida externa junto ao FMI, o governo Lula marcou fortemente sua autonomia frente ao poderoso governo americano quando decidiu fornecer meio milhão de barris de petróleo à Venezuela de Hugo Chávez, que nesse momento enfrentava uma greve do setor petroleiro, “depois de ter sobrevivido a um golpe em que os EUA estiveram envolvidos”.
Na mesma linha, o Brasil manifestou-se veementemente contra o bloqueio a Cuba; criou relações de confiança com governos democraticamente eleitos, mas considerados hostis aos EUA -Bolívia e Equador-, e defendeu-os de tentativas de golpes da direita, em 2008 e em 2010.”
Fazendo avançar enormemente o Mercosul, o governo Lula também promoveu formas de integração regional, tanto no plano econômico como no político e militar, à revelia dos EUA, e, como qualificou Boaventura: “ousadia das ousadias, procurou relacionamento independente com o governo "terrorista" do Irã”.
Mas Boaventura alerta que a pretensão imperialista continua. “O objetivo é sempre o mesmo: promover governos totalmente alinhados. E as recompensas pelo alinhamento total são hoje maiores que antes. A obsessão de Serra com o narcotráfico na Bolívia (um ator secundaríssimo) era o sinal do desejo de alinhamento.”
O sonho de um Brasil alinhado com Washington “provocaria, como efeito dominó, a queda dos outros governos não alinhados do subcontinente”. Para os governos "desalinhados", como chama Boaventura, “para as classes e movimentos sociais que os levaram democraticamente ao poder, as eleições brasileiras foram um sinal de esperança: há espaço para política regional com algum grau de autonomia e para um novo tipo de nacionalismo, que aposta em mais redistribuição da riqueza coletiva”, conclui o escritor português.
A conjuntura nacional
Os projetos de desenvolvimento e de sociedade que estiveram em disputa nas eleições de 2010 continuarão a disputa em outras arenas. A eleição é apenas uma das arenas da disputa política entre Projetos de Sociedade que lutam para obter a legitimidade da nação e conquistar mais ferramentas para sua efetivação.
Ou seja, a disputa entre Projetos de Sociedade fazem parte do cotidiano da nação onde as eleições, de 4 em 4 anos, embora muito importante pelo peso do resultado no jogo da disputa, é apenas uma das arenas desta mesma disputa, em sua dimensão política.

Nesta mesma dimensão política, a disputa continuará na arena jurídica, institucional, das organizações da sociedade, nos movimentos sociais e todas as possibilidades de influência sobre as decisões que incidem sobre os fundos públicos, ou melhor, sobre o que fazer com o dinheiro público que a nação arrecada em impostos e outras fontes através do Estado. No entanto, há ainda outras dimensões fundamentais como a econômica e a cultural. Sem perder de vista que estas 3 dimensões(política, econômica e cultural) fazem parte de uma única disputa, porém complexa e multifacetada.

Na verdade, a conquista de postos no executivo e no legislativo fazem parte de uma estratégia maior para que projetos de Sociedade, de Estado e de Desenvolvimento, acumulem instrumentos para colocar em prática suas operações e metas.

É preciso compreender que os Projetos de Sociedade são constituídos pelo conjunto de propostas de solução para os problemas vividos pela população. A compreensão de qual é a melhor solução surge da identidade entre pessoas e segmentos da nação em torno de sua visão de mundo ou filosofia, de suas convicções existenciais ou religiosas, do conjunto de informações técnicas e tecnológicas que tenham etc.

Por exemplo, uma questão ideológica que se coloca historicamente como um dos maiores “divisores de águas”, posições políticas e estratégias econômicas, entre as pessoas, é a noção de igualdade entre os seres humanos.

Os que entendem que todos os seres humanos são iguais em espécie, sem exceção, entendem que estes devem possuir os mesmos direitos e oportunidades, admitindo diferenças apenas oriundas pelas escolhas próprias e livres de cada um destes mesmos seres humanos. Já os que admitem que os seres humanos não são iguais entre si, por determinismo racial, condição de gênero, de renda ou desígnio divino, pensam em soluções onde os direitos e as oportunidades não são as mesmas entre as pessoas, absorvendo as desigualdades sociais como um elementos estruturante da sociedade.

Para se ter uma noção da complexidade da disputa de Projetos de Sociedade entre arenas e dimensões, hoje, na maioria dos países, as constituições rezam a igualdade da lei para todos. Gerando a conclusão formal de que daí os direitos são iguais para todos. No entanto, se incorporarmos a dimensão econômica, veremos que a diferença de condição de renda, por exemplo, é determinante sobre o exercício efetivo dos direitos. Em caso de dúvida reflita sobre as chances de um rico e de um pobre efetivarem seus direitos à saúde de qualidade, à educação de qualidade, à um trabalho digno, à segurança e por aí vai...

Ou seja, aqueles que pensam o Projeto de Sociedade a partir da igualdade, entre os seres humanos, conquistaram maior expressão de suas idéias na formalidade da lei, na dimensão política. No entanto, na dimensão econômica, aqueles que admitem as desigualdades sociais como estruturante de seu Projeto de Sociedade, conseguem reverter o efetivo gozo dos direitos em pé de igualdade entre seres humanos impondo a diferenciação no acesso aos direitos fundamentais proporcionais à diferença da condição de renda entre eles. Recorrendo inclusive à dimensão cultural desta disputa, que faz com que um rico e um pobre sejam diferenciados quando entram em um estabelecimento econômico ou repartição pública.

Historicamente, os que pensam o mundo a partir da igualdade são qualificados politicamente como “de esquerda”, e os que admitem as desigualdades como elemento estruturante, são qualificados como “de direita”. No entanto, como o pragmatismo tem sobrepujado de muito a reflexão ideológica, hoje esta referência tem sido, no mínimo, confusa.
Por sua importância estrutural na economia, tomemos como exemplo a distribuição funcional da renda, ou seja, a distribuição entre trabalho e capital, calculada pelo IBGE com base nas Contas Nacionais anuais. Os números apurados revelam que a partir de 1995(Governo FHC = Projeto Liberal), houve uma trajetória de queda do fator trabalho contínua até 2004, quando alcançou 58% do PIB. A partir de 2005(Governo Lula = Projeto Social), a curva se tornou ascendente, em todos os anos, de forma consecutiva chegando a 59,4% em 2007, sendo estimada pelo IPEA em 2009, em 62,3%. Estes números dizem que no Projeto Social, o peso do trabalho tende a crescer frente ao peso do capital, invertendo a tendência do Projeto Liberal.
Ou seja, a geração de oportunidades de trabalho, o aumento da média dos salários e a valoração de segmentos de trabalhadores antes marginalizados e não reconhecidos é uma ênfase no Projeto Social, diminuindo as desigualdades e suas conseqüências como o acesso a direitos básicos. Enquanto que no Projeto Liberal a ênfase é a melhora das condições de lucro e demais remunerações do capital, o que, em todo o mundo, tem acirrado as desigualdades.
Os projetos também se evidenciam nas medidas práticas do cotidiano político. As causas da renda favorável aos trabalhadores nos últimos anos se deu porque o salário mínimo real médio, a preços de hoje, na fase de queda(Projeto Liberal), era de R$ 292,53. Na fase de recuperação(Projeto Social), foi de R$ 426,85. A taxa média real básica de juros nos anos 1995-2004 foi de 14,8%, enquanto nos anos 2005-2009 foi de 8,9%. Na fase de queda, a geração de empregos com carteira assinada, em média por ano, era de 344 mil postos de trabalho. Na fase de recuperação, foi de 1,31 milhão de postos.
No entanto, uma análise presidida pela razão concluiria que as medidas mostram que o movimento socioeconômico brasileiro, pelo Projeto Social caminha em direção ao desenvolvimento sustentável. Contudo, “indicam também que a caminhada começou faz pouco tempo e ainda está longe do ponto ideal de chegada” conforme conclui o professor João Sicsú do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Como anunciam companheiros de movimentos sociais amazônicos “Os projetos Belo Monte, Complexo Madeira e o anúncio do Complexo Tapajós, Transposição do rio São Francisco, Agrocombustíveis, Programa Nuclear, Pré-sal, são exemplo da retomada de um desenvolvimentismo expansionista da época dos militares, aliás, alguns projetos nasceram naquela época. Todos eles carecem da visão ecológica e ignoram a complexidade. Se a produção de energia é necessária ao desenvolvimento do país, a pergunta que fica é se esses projetos de grande risco e agressão ao meio ambiente a médio e longo prazo não se votarão como um bumerangue contra o próprio desenvolvimento humano integral e ecológico. E a objeção levantada por cientistas, ecologistas e os movimentos sociais, especialmente os novos movimentos nascidos pela agressão com que os projetos são implantados(CNBB)”. Ou seja, há ainda muitos elementos para se tomar o futuro governo de Dilma Roussef como um governo em disputa.
Ainda hoje, 70% do PIB é devido à remuneração do capital como o lucro e apenas 30% relativo à remuneração do trabalho. Portanto, a distribuição de renda que temos deve ser festejada como tendência, mas ainda há muito que caminhar como realidade.
Realidade que às vezes é mascarada pelos números que apontam para o crescimento da classe C que chega a 40% da população, camada que ingressou em uma faixa de renda que lhe incluiu no mercado de consumo. Acontece que aumento da capacidade de consumo não significa necessariamente melhora definitiva da qualidade de vida.
“Qualidade de vida” é um conceito que extrapola a noção econômica de “aumento da renda” porque é relativo a valores que não têm preço, é relativo ao ganho que só uma família estruturada e amorosa pode dar, que só a educação de qualidade, a saúde, a segurança, habitação digna, a segurança e o saneamento podem garantir. E essas são conquistas políticas públicas de dimensão cultural, que definem o padrão e o nível do ambiente em que as pessoas vivem e convivem.
Portanto, é verdade que a distribuição da renda e do aumento do consumo apontam para uma sociedade economicamente mais justa, conquista estratégica que não podemos abrir mão em momento algum. Mas, também é verdade que parte importante da melhoria de renda é devido a um ganho de produtividade absoluta que obriga as pessoas a trabalharem em média 10 a 12 horas por dia para alcançar o padrão de consumo, apresentado pela mídia, como de sucesso.
O Governo Dilma, assim como o de Lula ou qualquer outro, estará em permanente disputa. É como acompanhar o Círio de N.Sra. de Nazaré na corda. Se você não empurrar pode acabar esmagado. O equilíbrio, quase milagroso, se dá exatamente porque todos se empurram de um jeito que caibam todos.
Na política é um pouco mais complicado porque há os que querem a “corda” e a “santa” só para eles. Ou seja, se a gente não empurrar, se a gente não fizer pressão, poderemos ser esmagados e ficar de fora do jogo.
Agora mesmo, as negociações sobre os espaços do governo federal, estadual, os termos da disputa para as prefeituras estão sendo negociados. Quem não se credenciou social e politicamente ficou de fora. Mas este não é o único momento do jogo político.
E, fazer política, inclusive partidariamente, vem se consolidando na vida nacional na medida em que se consolida a cultura democrática no Brasil. No entanto, claramente, estamos diante da necessidade do aperfeiçoamento e aprofundamento da democracia brasileira.
Nesta perspectiva colocaram-se na disputa duas tendências importantes. A primeira diz respeito à percepção de que se a democracia não avançar para se constituir, na prática, como democracia econômica, para reduzir-se apenas a sua dimensão eleitoral, cairá na mera formalidade. E, a segunda tendência que se constata é a do avanço da sociedade na direção de criar mecanismos e, até instituições, que materializem a participação da sociedade no dia-a-dia das decisões de interesse público, e não apenas de 4 em 4 anos nas eleições. É o avanço do Controle Social sobre o Estado, em todas as suas instâncias(legislativo, judiciário e executivo), os governos em particular.
Economia solidária

É surpreendente o avanço das práticas de economia solidária e de sua articulação. Presente nas cidades e no campo, ela aperfeiçoa a cooperação, a autogestão, a solidariedade e a ação econômica que gera, ao mesmo tempo, renda e bem viver. A 1ª Conferência Nacional de Economia Solidária em 2006, mobilizando mais de 15 mil pessoas nas várias etapas de sua realização. A 2ª Conferência reuniu mais de 20 mil e aconteceu no momento em que o governo federal, acompanhando as demandas do movimento, começava a liberar o maior volume de recursos para a ecosol, através dos projetos aprovados nos editais, como jamais se viu no Brasil.
Ou seja, ao mesmo tempo em que a nação passa por um momento de redistribuição da renda, fortalecendo setores médios a partir da ascensão de setores antes empobrecidos, a Economia Solidária goza de oportunidades imperdíveis mas diante das quais precisamos nos superar para alcançar nossos objetivos.
No Pará, contabilizamos pelo menos 8 projetos em execução, sem contar os que possuem financiamento não-governamental. Projetos que possuem recursos financeiros e humanos capazes de fortalecer os empreendimentos de ecosol e sua organização tanto como movimento quanto como estrutura institucional e política.
Mesmo com a perda do governo popular, que criou o departamento de Economia Solidária estadual, sancionou a Lei Estadual e implantou o Conselho Estadual, teremos em 2011, condições de manter a Economia Solidária na agenda publica, desde que tenhamos a capacidade de articular as ferramentas e potencialidades que já possuímos, mas ainda isoladas nos âmbitos de cada entidade executora de projeto.
Neste 2011, mais do que nunca será necessário exercitarmos com a maior grandeza possível, nossa capacidade de solidariedade prática e objetiva. Só depende de nós.
Conclusão
Este é, então, o “tempo oportuno”, isto é, o tempo de tomada de decisão, de comprometimento com a construção de outra civilização, que está a caminho. A dúvida pode tornar-se mãe de novos conhecimentos, de nova atenção aos sinais dos tempos; nunca deve servir de justificativa para desânimos, indiferenças. Por isso, diante da complexidade da realidade em que vivemos, a atitude humanizadora é a que nos mantém abertos à busca comum de novas luzes sobre o que ameaça a vida e sobre o que a defende e promove. Nesta perspectiva construímos o Brasil e o Pará que queremos(CNBB).
Fórum Paraense de Economia Solidária
Belém, 16 de novembro de 2010

3 comentários:

Anônimo disse...

Parabens Arroyo,
vou fazer uma análise de conjuntura aqui em SC e utilizarei sua contribuição,
abraço,
Valmor

General e Preta Sam disse...

3Farei o mesmo em relação a Joao Pessoa,muito simples e dinamica sua informação

Prof. Arroyo disse...

Obrigado amigos, fico muito feliz em poder contribuir. Mas precisamos praticar mais o debate. Nosso Fórum Nacional poderia criar um espaço de debate político permanente para termos elaborações coletivas. O que vcs acham?