A relação entre a Técnica e a Política, o papel dos intelectuais no PT...
O encontro do PT no Pará, realizado no dia 12 de fevereiro de 2011, teve um ponto lamentável que passou desapercebido para a maioria dos presentes. Me refiro ao discurso, repetido em bocas de nossos mais altos dirigentes, que atribui boa parte dos erros cometidos no governo pelo fato deste ter sido “entregue” à doutores e intelectuais. Que, porque não se valorizou aqueles que tem experiência prática, o governo teve os problemas que teve, etc, etc...
Ora, se tomarmos o conceito científico da categoria “conhecimento” encontraremos a designação para a capacidade de resolver determinado problema na prática, diferenciando “ter conhecimento” de “ter informação”. Por exemplo, uma turma de médicos se formaram lendo os mesmos livros com os mesmos professores, portanto tiveram a mesma bagagem de informação, no entanto, terá demonstrado maior conhecimento o que, de fato, operar melhor.
Na mesma linha, se tomarmos de Gramisci o conceito de “intelectual”, encontraremos a designação daquele que produz conhecimento para a solução de problemas da sociedade e que o “intelectual orgânico” é o que produz conhecimento com caráter de “classe”. Em nenhum momento Gramisci se refere à títulos acadêmicos.
O que traduziria dizendo que “intelectual” é quem pensa, formula soluções e as implementa por alguma estratégia, seja estudante, operário, camponês ou até doutor. O que significa dizer que, da mesma forma, há operários, estudantes, camponeses e, até doutores, que não pensam, não elaboram sobre a realidade do mundo para transformá-lo.
Ou seja, não basta ser peão ou doutor, para que a tarefa da elaboração estratégica em torno do modelo de desenvolvimento que queremos se realize como discurso social e programa político. Esta tarefa, eminetemente intelectual pode, e precisa, ser realizada por todo o conjunto partidário, colocando em sinergia toda a riqueza que a diversidade de nossas histórias e experiências nos proporciona.
A solução dos problemas da educação, da saúde, da moradia, do meio-ambiente, da infraestrutura, da economia etc, que podem render muitos votos inclusive, são construídos a partir de conhecimento técnico. No entanto, só a técnica não é capaz de dar um sentido transformador ás soluções elaboradas, é preciso que estas se conectem em uma mesma filosofia para que seu conjunto expresse uma nova concepção de sociedade e de desenvolvimento – aí é que a política cumpre o seu papel insubstituível. Ou seja, a técnica, inclusive a gerencial, no plano operacional e a política, no plano filosófico, precisam estar atadas indissoluvelmente para o sucesso de qualquer projeto de governo.
O técnico sem compreensão política é incapaz, é incompetente, para encontrar as soluções que além de resolverem o problema imediato, apontam para a transformação social e cultural desejada. O político sem noção técnica, se torna vazio e incapaz, incompetente, de transformar seu discurso em mobilização social transformadora.
Portanto, esta manifestação preconceituosa contra os intelectuais, ajuda a entender porque no Pará, o PT perde em qualidade política diante da atuação do partido em outros estados e porque os parlamentares e dirigentes petistas paraenses possuem pouca influência nacional no PT. Além do que, tal preconceito não cabe muito bem no partido de Paulo Freire, Marilena Chauí, Milton Santos, Sérgio Buarque de Holanda, Maria Vitória Benevides, Florestan Fernandes, Luís Inácio Lula da Silva, dentre tantos outros intelectuais, estudantes, operários, camponeses e doutores – homens e mulheres – que fazem o PT.
A composição do governo federal, nos 3 mandatos presidenciais petistas até aqui, são um duro espelho disto. Não tivemos, e não temos, nenhum paraense, ou melhor, nenhuma expressão do PT paraense, pelo menos próximo do núcleo estratégico de governo, como acontece na condução do próprio PT, e não podemos nos queixar de falta de oportunidade em nossa história. Nem tivemos qualquer interlocutor que pautasse sistematicamente a Amazônia ou o Pará, nem no governo, nem na bancada federal, nem no partido. Quem milita em instâncias nacionais dos movimentos sociais, sabe que se não se articular por si, não terá qualquer espaço.
Os agrupamentos petistas de São Paulo, Minas, Pernanbuco e, disparado, do Rio Grande do Sul, possuem um nível de influência muito maior que a do Pará, não apenas em função de seus resultados eleitorais, mas pela capacidade de elaboração e interlocução social. Em termos de Amazônia, as expressões do PT do Acre, por exemplo, possuem uma interlocução mais respeitada e com maior ressonância no PT nacional, exatamente porque elaboram com competência e possuem um discurso com um conteúdo capaz de polarizar segmentos em todo o país, já que Amazônia é um tema nacional e internacional.
Podem citar a siderúrgica, as eclusas etc. Mas vejam, estes projetos já estavam na pauta há muito tempo, colocados pelos primeiros interessados, que como sabem, não são da região. Além disso, não estou me referindo a projetos pontuais, estou me referindo à matriz de desenvolvimento onde estes projetos são apenas os pontos mais visíveis dentro de uma lógica cultural, social e econômica que nossos parlamentares e dirigentes não conseguem ver, para daí, pelo menos entendê-la.
Por exemplo, dentre estes projetos está a UHE de Belo Monte, e o PT do estado fica em uma sinuca de bico, porque o projeto é amplamente questionado pelo MP e pela sociedade organizada, em boa parte composta por militantes petistas a quem o partido não sabe o que dizer e nem se esforça para ter algo a dizer como se fosse possível passar por isto sem um desgaste profundo entre seus apoiadores, aliás, dos mais atuantes, e os segmentos sociais onde atuam formando opinião e cultura política.
Outro exemplo é o debate sobre a divisão do estado do Pará, que já divide o PT no estado em função de lógicas eleitorais locais e não em função de uma elaboração pelo desenvolvimento do estado. E, mais uma vez, o partido no Pará, fica sem posição, sem discurso, apagado. Em política isto tem um preço alto. O mais incrível é que ainda escutamos dirigentes dizer que esta atitude é de “habilidade política” ou, traduzindo, esperteza.
Poderia também analisar o espanto do partido diante do movimento Ficha-Limpa, diante do que também se dividiu e há os que digam se tratar de uma “hipocrisia das elites”...a que ponto chegaram. Mas este tema é muito importante, pelo que anuncia na mudança da cultura política que está se operando na sociedade brasileira e merece um espaço de reflexão específico que não aqui.
Ainda poderia lembrar que nossos dirigentes foram capazes de trocar a Sudam por uma prefeitura, quando na verdade, poderíamos ter ficado com as duas, mantendo a direção de uma posição estratégica para o modelo de desenvolvimento da região. Um absurdo inominável, mas vão dizer que é questão pessoal porque estive lá. Mas espero um dia poder dialogar com os companheiros sobre isso.
Mas bem, como se tudo isto não fosse suficiente para convencer nossos dirigentes partidários do papel político que a capacidade de elaboração estratégica possui para o crescimento quantitativo e qualitativo do PT no Pará, a derrota de 2010 revela que nossos parlamentares, gestores e lideranças não conseguiram explicar à sociedade os avanços importantes que conseguimos apontar em nossa passagem pelo governo estadual, deixando firmar na opinião pública a idéia de que nada foi feito, registrado nas pesquisas eleitorais, e no resultado final, é claro.
Avalio que este foi o principal motivo das dificuldades de comunicação com a sociedade, e com a própria militância do partido, que tivemos. Porque se teve uma coisa de boa qualidade no governo Ana Júlia, foi a elaboração da proposta de modelo de desenvolvimento. No entanto, nossa capacidade de traduzir o sentido de nossas iniciativas para um desenvolvimento sustentável e democrático, deixou muito a desejar.
O próprio partido não entendeu do que se tratava e, sem nenhuma má intenção, simplesmente não deu o valor político para um projeto que poderia ter armado o discurso do partido com substância de forte apelo social. Mas, diga-se de passagem, nem no chamado “núcleo duro” havia plena compreensão do significado político do projeto que diziam, defender.
Mais uma vez, só depende de nós... vamos conseguir desatá-los?
2 comentários:
Arroyo,
Eu faço essa reflexão pelo e por dentro dentro do PT, mas quero dizer que o conhecimento empírico de lideranças como o Paulo Rocha não podem ser desconsiderado.
Primeiro por ele ter sido o líder da bancada federal diversas vezes e não só representando os interesses do Estado do Pará como da região Norte e Amazônica como um todo.
Depois ou antes de mais nada, por ter sido durante o auge do governo Lula o líder do PT na bancada do Congresso Nacional, quando justamente veio à tona o mensalão, causando o escândalo do caixa 2 do PT.
Por fim, a pós-graduação no governo Ana Júlia não foi o grande problema não, o X da questão foi a falta de habilidade e traquejo na condução da política institucional que ao meu ver deveria andar sintonizada com o planejamento de desenvolvimento que estava sendo gestado, mas não tinha a credibilidade suficiente para vir à se tornar real e exequível.
Prof Arroyo. O sr escreveu Sábias, e corajosas, palavras. Não sou partidário. eu, assim como muitos, não consegui enxergar no antigo governo estadual, o cumprimento de suas metas ou promessas. E isso se deve em boa parte ao próprio PT local, inexpressivo e individualista. Votei 3 vezes no Lula, das quais 2 ele foi eleito. Vejo que neste exemplo a prática política, está superando a política técnica. E posso dizer, SEM PAIXÃO, que votaria nele novamente. Abraços Dilson Júnior
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