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30.8.09

Sonho de Liberdade

Discurso do Prof. João Claudio Tupinambá Arroyo, paraninfo geral, na Colação de grau da Faculdade do Pará/Universidade Estácio de Sá em Belém, 29 de agosto de 2009

Meus queridos colegas, que hoje colam grau, com quem dividi a sala de aula estes últimos anos, para mim muito mais que um trabalho, uma opção de vida.

Senhoras e senhores,

Quando fui informado que seria o paraninfo geral. Fiquei muito emocionado, muito honrado e muito inseguro. Fiz o que o marketing diz que se deve fazer quando se está inseguro: pesquisa, porque a resposta está quase sempre no outro. Saí perguntando a vários amigos o que deveria dizer. A maioria disse que esta teria que ser uma última aula. Mas nestes vinte e poucos anos como educador eu aprendi que não existe “ensinar”, que só existe “aprender”, o educador oferece oportunidades de aprendizado e, as pessoas apreendem segundo seus próprios atributos, acúmulos anteriores, disposição e dedicação. Por isso, não será uma aula, mas a partilha de coisas para mim muito importantes entre aquilo que consegui aprender na vida.

A última vez em que discursei em uma colação de grau, protagonizei um fato que se tornou manchete nos jornais do dia seguinte. Era 1983 e o Brasil vivia uma longa e pesada Ditadura Militar. Eu era do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal do Pará, tinha 21 anos e o ponto alto do discurso foi quando o general, comandante-em-chefe da oitava região militar, diante das críticas que fazíamos ao regime, não agüentou, se levantou e se retirou da solenidade que acontecia no ginásio de esportes, totalmente lotado.

Aquele foi um dia de festa, porque tudo o que tínhamos feito era produto de um longo trabalho em equipe, a elaboração do discurso como recurso de comunicação, a administração da imprensa para tornar o fato notícia, a contabilidade das faixas onde se lia “Abaixo a Ditadura” que surgiam na arquibancada... tudo tinha sido um trabalho a muitas mãos para que ali pudéssemos de alguma forma ajudar o país a reencontrar o caminho da democracia para fazer valer o nosso direito. Cedo aprendi que não somos nada sozinhos e que nem nossos sonhos se realizam, se não soubermos somar com outros, ombro-a-ombro, com humildade mas sem submissão. Aprendi que é possível mudar o mundo para melhor, no que estou empenhado até hoje, por isso sou educador.

Aquele era um tempo em que ao mesmo tempo que alguns diziam “não adianta tentar, nada vai mudar” e o filósofo Lulu Santos alimentava o pessimismo dizendo “assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade”, o livro mais lido era “Tudo que é sólido desmancha no ar” de Marshall Berman. Porque o que queríamos refletir não era “como” caminha a humanidade, mas para “onde” caminha a humanidade, porque aprendemos que a direção é mais importante que a velocidade.

E, de fato, de lá para cá muitas mudanças ocorreram, a supostamente indestrutível Ditadura Militar teve que engolir o retorno dos exilados políticos, gente como Brizola, Arraes, Gabeira, mas também gente como Paulo Freire, Caetano Veloso e Gilberto Gil – a Ditadura havia expulsado do Brasil a inteligência. Para eles inteligência era o SNI.

O país retomou as eleições diretas, voltou às liberdades democráticas, mas a partir daí se viu diante de uma realidade até então encoberta, uma Ditadura mais dura e cruel que a militar, a Ditadura da fome, a ditadura econômica da concentração de renda e poder que vivemos ainda.

A tarefa que começamos há vinte e poucos anos, está inconclusa, porque a Democracia não basta que seja política, é preciso que seja econômica, econômica não apenas de valores materiais, mas também de valores morais. Minha geração fez o que pode e precisa se juntar a novas gerações que partilham do mesmo sonho de uma nação desenvolvida, justa, sustentável e solidária. É como diria o poeta Beto Guedes, “Vamos precisar de todo mundo, um e um é sempre mais que dois, para construir a vida nova é preciso repartir melhor o pão. A felicidade mora ao lado...”

Hoje temos a alegria de testemunhar e participar da volta da filosofia e da sociologia como matérias obrigatórias no ensino dos jovens, o que certamente daqui há mais 5 a 10 anos fará muita diferença. Também somos testemunhas vivas da inclusão de mais de 20 milhões de brasileiros antes a mercê da indigência. Vocês lembram da dívida externa?, que dizíamos “eterna”, acabou, agora somos credores do FMI. Se alguém dissesse isso no meu tempo de estudante correria o riso de ser internado em um manicômio. Recuperamos a soberania e a dignidade enquanto nação. Todos contribuimos para que a grande crise econômica de hoje, no Brasil, fosse só uma marolinha, o digo como mestre em economia, e vivemos um momento de grandes perspectivas, “como nunca antes na história deste país, companheiros”.

Mas grandes desafios permanecem. Enquanto pagamos, como contribuintes, de 1.500 a 1.700 reais por mês, sem incluir o custo do processo jurídico, para manter um delinqüente preso, pagamos apenas de 150 a 200 reais, na média nacional, para manter um aluno na escola pública. Ou seja, nós pagamos, com nosso dinheiro, fruto do nosso trabalho, 10 vezes, ou mais, para manter cárceres do que manter escolas, justamente onde as crianças e jovens deveriam absorver valores como a paz, o respeito mútuo e o direito ao trabalho, cuja ausência é a causa mais profunda do estado de violência urbana que vivemos.

Epa! Mas quem decidiu que o dinheiro público, o nosso dinheiro, fosse investido desta maneira? No entanto, para não cairmos no lugar comum e inóquo de colocar a culpa nos outros, temos que colocar a “mão na consciência”, quanto disso só foi possível porque nos omitimos? Desculpem, mas sou como o filósofo do direito Boaventura de Souza Santos que se auto define, um “otimista trágico”. Aquele que vibra com as possibilidades de construção de um mundo justo mas está atento para as limitações éticas que vivemos a partir de cada um de nós e que somente daqui e daí de dentro poderemos superá-las. É apenas uma questão de escolha.

O mesmo tipo de escolha que nossos colegas, os colandos de hoje, fizeram quando resolveram superar todos os obstáculos possíveis e imagináveis para chegar até este momento que marca uma grande vitória e conquista de cada um e de cada família. Grande do tamanho da luta, do sofrimento e da tenacidade de cada um. Uma vitória que não veio por acaso, todos os dias vocês levantavam e diante de vocês estava a escolha, parar ou continuar a mudar. Vocês escolheram mudar para melhor como profissional, como pessoa, como cidadão.

Mas,... há sempre um “mas”,... para mudar de vida é preciso convencer outros porque a vida é um fenômeno em sociedade e é preciso conquistar os sócios para o mesmo projeto. A transformação da vida só é possível como sonho que se realiza, como ação coletiva, organizada e responsável.

E chegou a hora de vos dizer, como um dia disse Mandela “nos fizeram aprender a temer nosso próprio poder, é a nossa própria luz que mais nos assusta e não a escuridão em que nos meteram. Muitos se perguntam ‘Quem sou eu para brilhar e ser livre?’ E eu pergunto ‘quem você pensa que é para não sê-lo?’, ‘Com que direito você abre mão de ser livre?’ Porque a liberdade é um processo social e solidário em cadeia e eu somente serei livre se você o for também”.

Mandela passou 32 anos preso por defender o fim da escravidão e do racismo legalizado na África do Sul, e da prisão liderou o movimento que em seguida o conduziu a presidente daquele país que hoje é um dos que mais cresce no mundo. As prisões são incapazes de aprisionar sonhos de liberdade. Estes apenas podem ser auto-aprisionados. Porque somos capazes de aprender tudo, até a ter medo de ser feliz.

Neste mundo em que, como nos revela o revolucionário dramaturgo Nelson Rodrigues, “o dinheiro compra tudo, até amor sincero”, optar pela liberdade não é fácil porque isto exige ética, aquele refúgio permanente e seguro que os seres humanos devem construir entre si, como aprendemos com os gregos da antiguidade. Porque isto exige mais do que fazer o certo, exige fazer o certo todo dia.

Mas como vocês, “os desertos que atravessei, ninguém me viu passar...” mas me fez acreditar e praticar profundamente tudo o que lhes disse hoje. Por isso, aproveitando deste momento de festa e alegria os convido a fazer parte do movimento dos homens e mulheres de bem, únicos capazes de sonhar com um mundo melhor para si, seus filhos e netos, e na prática como administradores e profissionais do direito escolherem aquilo que liberta, aquilo que enfim nos realiza como seres humanos.

Que o sucesso de vocês seja pleno e longo,

Muito Obrigado.

Um comentário:

Luis Augusto Ramos disse...

-Bom dia Professor Arroyo........

-Só agora vasculhando seu blog, tive oportunidade de acessar suas palavras proferidas no discurso de formatura dos novos profissionais graduados pela FAP.
-Parabens, são sabias palavras e tenho certeza que esta sua incursão enquanto formador de opinião fará toda a diferença nas vidas pessoais e profissionais destes novos formandos; O teor político de seu discurso, a sutileza para criar as condições necessárias de formação são marcas de um verdadeiro revolucionário.
"Entendo que pode até não parecer mas faço uma comparação que para mim é muito importante que se registre, embora não vivamos no período de ditadura tal qual o momento em que você também proferiu na UFPA - mesmo assim, acredito que o desafio seja exatamente o mesmo acordar o sentimento de participação para vida politica de nosso país, Estado e municipio.
Parabéns
do amigo, companheiro e adimirador
Luis Augusto Ramos
- Benguí -